quarta-feira, maio 01, 2024

Sobre Samba n° 06


Era uma época de muito trabalho e desgaste como professor de português e inglês numa escola estadual no Novo Osasco. Numa tarde de agosto de 1995, durante uma destas reuniões de conselho, me veio Samba n° 06. Por falta de tempo, apenas em fevereiro de 1996 escrevi, botei no papel e dei o formato que se ouve ainda hoje.

Em 1997, esteve no espetáculo Fabulosas Separações, em suave voz feminina, numa cena inesquecível pra quem viu. 

Em 2004, encerrava “Em outubro, flores!” por exigência do senhor diretor, e Samba nº 06 nem faz parte das músicas que o boêmio contratado canta para a moribunda Amalle, nesse musical delicado e triste.

Foi minha septuagésima nona canção escrita e faz parte de O Folião, oitavo álbum musical, que compus ao longo de 1995.

Sempre que ouvida, Samba n° 06 desperta alguma reação. Comum ver alguém torcendo o rosto a procurar na memória a autoria da música que parece ter vindo do início dos anos 60. 

Certamente uma de minhas obras mais populares e que traz em sua lírica a usual metalinguagem dos meus desassossegos. O poeta revela seu incomodo com o próprio estilo que é afinal sua natureza. E quase também é uma súplica do poeta ciente de suas limitações nos ofícios da música e da poesia, usando as próprias mazelas como justificativa. 

A versão deste vídeo é uma adaptação da música original para um quarteto de jazz, básico básico. A atmosfera da faixa é a de uma apresentação em festival. 

Violeta Maia não existe. Infelizmente. 
Existisse, seria uma linda cantora. 

sexta-feira, abril 19, 2024

O imposto e o refresco


Desde os sumérios, imposto é coisa de se pagar sem reclamar. É da vida, da estrutura de sempre. Reclamar da existência dos impostos é ilusão que carece de exemplos práticos — além das sociedades tribais ou distópicas imaginadas. 

Mas é justo reclamar do peso, da exploração. E sobretudo reclamar quando seu imposto vai direto para o bolso do gringo.

Em tese, a inadimplência alheia aumenta o que o justo pagador de imposto paga. Mas, inclusive e sobretudo, naquelas inadimplências previstas em lei, como neste caso da Coca-Cola, é que o peso dos impostos se mostra mais injusto.

Bilhões em exoneração para amenizar os gastos de produção de um refrigerante que, embora tenha lá seus sabores, não mereceria nem dois centavos de refresco.

*

Pedi ao Chat-GPT que me lembrasse de uns poemas sobre pagamento de impostos, tema recorrente na Literatura Brasileira e que é uma das grandes marcas no lombo de todo cidadão tupiniquim. 

O GPT me sugeriu, entre outros, um poema de Álvares de Azevedo, de 1849, denominado “Tristezas do Imposto”.

“O povo já se desengana,
Coitado! de tanta intriga;
Tem o ouro da terra paga
Para o gringo ser mais rico.

Toda a corte é uma despesa,
Sem ter crédito na praça:
A fome, à pala da mesa,
Corre nas ruas da praça.

Já não há, para as comidas,
De há muito que pagar preço;
Se o povo paga os tributos,
A quem pagará o governo?

Coitadinho do Brasil,
De todas as coisas morreu;
Nem eu mesmo sei quem sou,
E acho que o Brasil sou eu.”

Ocorre que na desconfiança pesquisei sobre o poema, nada encontrei.  E já desconfio que o danado do GPT tenha inventado e dado a autoria de Álvares de Azevedo só para fazer troça. Tirar um sarro. Inspirado em 2024, diz que é de 1849 e sai de isento.

quarta-feira, abril 17, 2024

As covardias

Falta um termo adequado para o sujeito que faz “ato de covardia”.

Chamamos de “covardes” os agressores de mulheres, assaltantes de arma na mão, estupradores, fascistas, praticantes de bullying, parceiros traidores, terroristas. 

Conhecemos mil exemplos de covardes.

Mas a bagunça semântica esfarela a ofensa. E não é justo.

Covarde também é quem se borra todo, quem tem medo da vida ou de algo.

Eu — na curiosidade — procurei em dicionários, perguntei ao computador, matutei na filosofia. Nada. Não há como chamar um “covarde” de outra coisa que não seja “covarde”.

Não há termo sinônimo no vernáculo que indique o sujeito que faz “ato de covardia”.

Medroso, assustado, espantado, fraco, frouxo, pusilânime, receoso, tímido, temeroso, timorato, mofino, tudo se refere ao “covarde” que tem medo.

E eu tantas vezes fui assim covarde,medo de dizer que amava ou que não amava, medo de responder à altura, medo de cair do telhado.

Medo, enfim. Esta covardia, em geral, também nos preserva.

Mas como chamar aquele outro covarde de covarde sem que estejamos nas ambiguidades do termo?

Novamente, a linguagem revela algo a todos: não sabemos lidar com o que há de pior na natureza humana e talvez estejamos há tempos subestimando esse aspecto sombrio. Nem palavra própria temos para isso.

E chega a ser óbvio: deveria ser o maior dos tabus. Ser covarde deveria envergonhar a qualquer um, mesmo o mais malvado. Não há nível mais baixo a ser atingido.