sexta-feira, fevereiro 01, 2008

Aiana tem gosto de uva, ainda em produção.

    De repente, sem que eu mesmo tivesse planos, resolvo escrever meia dúzia de palavras neste adormecido blog. Quase estou a me justificar, para mim, tão somente, num tipo de monólogo deveras inútil, uma vez que eu sei bem o que direi, o que eu não precisaria certamente escrever - e nisto vai a grande bobagem: pra quê? Ora, ainda estou a escrever meu segundo romance, mais complexo e exigente que o primeiro. Estou dedicado a escrever um grande livro - e a pretensão caminha sempre bem ao lado da vitória. 
    Não foi necessário que uns sujeitos se dedicassem a escrevem o que hoje chamamos de clássico? Não foi preciso que trabalhassem, quietos, dia-e-noite em concentração farta? Eram especiais, eram abençoados pelos espíritos que, segundo alguns, regulam o mundo? Eram geneticamente melhores que eu e mais todos nós neste novo século? Nada. Gente é gente. 
    Pois eu vejo sempre: há lista dos melhores livros do século XX. Não há? Há e é certo que todos estes maravilhosos livros foram escritos por um humanóide, cheio de dúvidas e pavores. Não se educaram, conheceram a si, o resto, tentando decifrar enigmas e criar entretenimento e movimento com as suas palavras? Ora, sempre há a vontade. Sempre há o desejo. Sempre há o que se construir, com trabalho árduo, enquanto outros ficam a pairar no meio dos caminhos. 
  Alguém, todos eles, se abraçou em idéias. Trabalharam e contaram com alguma sorte, com algum emparelhamento mágico. Eu, sem mágica alguma neste país, planto em mim, todo dia, um mesmo rudimentar axioma: se eu não fizer, jamais saberei o que conseguiria. Jamais iria além, tivesse eu a noção errada das coisas.
    Kafka, Thomas Mann, Guimarães, Mário, todos gente, todos humanóides, bem formados, bem estudados, moços de enfrentamento sincero com a vida. Não é assim? O jovem escritor que não se supõe dentro das porcentagens da vitória acaba incapaz de chegar numa segunda página que preste. É preciso insensatez, é preciso certa inocência - e é preciso, antes de todas as teimas, ir além, ir adiante, enfrentando a neblina opaca que não nos permite ver o futuro.
    Eu fecho os meus olhos para o futuro e trabalho, escrevo, rumo adiante. Não é assim que deve ser? Que me importa a lógica, o bom-senso daqueles que me prevém o fracasso, a nódoa, o desperdício e tudo o mais? Que me importa, eu repito? Há, entre o gênio bem sucedido, entre o infértil fracassado, uma grande distância. Uma distância de duzentos mil anos-luz. Mas entre o gênio editado e revisto por gerações de leitores e aquele cuja obra acabou esquecida, ignorada, vive apenas um pequeno percentual que os impulsionou para lados diversos - que ainda é possível de ser revisto, de tempos em tempos.
    Entre o que faz e o que não faz, ou o que faz com desapego, há um elementar abismo. Assim, construo minhas pontes e me aproximo do continente em que vivem aqueles a quem admiro. Escrevo, dedico-me, penso, alimento-me do mundo que se alimenta de mim. E ao final de todas as coisas, estarei perto, muito perto daquele lugar onde desejo morar, depois que a morte me alcançar. Ou estarei perto ou estarei mesmo deitado na cama onde repousam os que merecem algum aplauso. 
    Enquanto isso, alguns, aqueles outros, aqueles que não fazem o que querem, que duvidam que os demais podem fazer, estes estarão longe, muito longe. Talvez numa ilha deserta, talvez arrependidos - porque apenas a labuta nos leva a algum grande lugar. Sempre há começo, há medo e há loucura, afoita.