Comprei-me dois belos presentes. Dois documentários, um sobre a produção de A Night at the Opera, lendário disco do Queen, e outro sobre o meu guru da velha adolescência, Vinícius de Moraes. Dois presentes que são símbolos de uma bonança que eu sempre espero encontrar. Ademais, isso de presente não é coisa simples. Há muitos anos, um amigo precisava comprar um presente para a namorada. Tinha apenas alguns trocados e a moça, acostumada a certo luxo, não aceitaria qualquer bobagem de símbolos. Ele pediu-me ajuda e naquele momento eu era uma boa solução para os problemas desse meu apaixonado amigo. Disse-lhe que, na impossibilidade de se comprar algum caro badulaque, restava comprar algo que, mesmo barato, pudesse ser tomado como valioso relicário. Precisávamos de alguma velharia...
Permitam-me uma rápida digressão: comprar presentes é um dos grandes dilemas masculinos. Mulheres, em geral, gostam de bolsas, sapatos e perfumes. Ora! como nos é difícil escolher entre tantas coisas absolutamente iguais. E tem a tal da grana... tudo que nos parece bom é sempre caro! E ainda há a tal relação de medidas... Tudo é por demais subjetivo nesse mundo de agradar com objetos. Freqüentemente tenho me dado bem nesta arte. Mas jamais dou algo que também não agrade também a mim, nem que eu considere menor. Quando dou um DVD ou CD, o faço com o coração partido, tomado de certa inveja, pensando no presente que gostaria de ter comigo. Mas é até bom que seja assim.
... e velharias havia em algumas lojas ocultas, brechós e sebos empoeirados. E naqueles tempos, os sebos andavam mesmo mais empoeirados. Encontramos uma pulseira, levemente enferrujada e um anel sem pedra. Por algo que hoje seriam uns dez reais, tínhamos uma maltratada bijouteria. Limpamos a peça com vinagre e pasta de dente e embrulhamos com um bom celofane. O plano era de alguma maneira perfeito. E a moça, acostumada a certo luxo, não era frívola ou estúpida. Não gostaria, é bem certo, de um presente qualquer, dado sem interesse...
Outra rápida digressão: em geral, os presentes são péssimos. Ganhamos uma porção de coisas que não nos agrada. Sobretudo porque a maioria nem faz mesmo uma reflexão muito profunda sobre os nossos gostos. Dão, com doses altas de automatismo. Vivo a ganhar camisetas cor-de-abóbora e azul bebê quando o planeta todo sabe que eu somente gosto de camisetas brancas, absolutamente brancas. Hoje talvez seja o dia de eu abrir um pacote e... Ora, estou sendo ingrato. Tudo será bem aceito.
...entregou-lhe o presente, pouco antes da meia-noite. Disse-lhe palavras belas, juras e elogios. Estavam sós. Ela lhe dava um suéter - roupa de homem sério, conforme o imaginário lógico feminino. Ele segurou a respiração por uns segundos, deixou-se levar por uma emoção fingida e real, teve os olhos a beirar o vermelho e lançou, convincente: "minha vó deixou-me este presente... esta jóia que foi dela, quando casou-se com... o meu avô. Eu prometi a ela que a daria a mulher que eu amasse um dia... E me amasse tanto... E veria esta jóia, velha, que possui muito mais que noventa anos... que a veria como a prova de amor sincero e forte".
A moça recusou o presente. Por considerá-lo muito nobre ou prova de tamanho carinho, que ela mesma não merecia, por não ter no peito o mesmo tamanho amor. Disse-lhe ainda que ela estava apenas a procurar por uma relação que fosse boa, mas que não fosse a última. Ou algo parecido. Meu constrangido amigo não quis divagar sobre o acontecido. Balbuciou a palavra "vaca" diversas vezes e considerou, afinal, que a moça não merecia mesmo tão nobre presente.
Uns anos depois achou quem o aceitasse. E acabou casado.