sexta-feira, novembro 05, 2021

A solidão é a sorte de alguns

    "A solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais" é aquela frase de Arthur Schopenhauer. Tenho refletido sobre isso. A vida é nada: horas enormes em longos dias em anos curtos e décadas breves. E vez ou outra, nesta longa aventura, me senti e me sinto só, pouco além de mim, meio no desassossego da quietude. Em silêncio de tudo.
    Foi sempre o que desejei, afinal. Viver evitando a busina da desordem alheia. "Inferno são os outros" diz a velha máxima de Sartre. Mas eu digo além: barulho são os outros. Este é o "egoísmo do silêncio", diram alguns e eu não poderia fingir que não é certo. Sim, todo silêncio é antes de tudo um egoísmo calhorda.
    Pudera apenas que todos pudessem compreender que a mim este silêncio é açúcar, alimento para a compreensão da vida. Pudera apenas que compreendessem: já havia barulho demais dentro da minha cabeça. Já havia uma sinfonia perigosa a me estripar a paz.


segunda-feira, novembro 01, 2021

Irmandade, canção para os amigos

Palavras sobre "Irmandade",  canção de Planetas Vivos, de 1990, presente na coletânea Obras Completas: volume 1, que escrevi para o site gerrirodrian.com:


    "Vivíamos tempos difíceis, naquele ano de 1990. O país estava bagunçado, politicamente caótico. A AIDS atormentava as relações e matava nossos ídolos. Não sabíamos se era justo ter esperança.
    E, assim como atualmente, alguns dias eram de total desânimo.
    Eu era tão jovem mas já me sentia do lado de fora, já me sentia inimigo da ordem, já sabia bem quem eram os vilões. Sabíamos - eu e alguns dos meus amigos daqueles anos, sabíamos bem quem eram os manipuladores, os hipócritas.
    'Irmandade' foi feita certa noite, quando havia uma reunião entre estes amigos. Eles falavam, discutiam algum assunto daqueles costumeiros, envolvendo filosofia ou política ou arte. Eu estava lá, entre eles, mas num canto estava absorto, à parte, com o violão, inspirado por aquele momento.
    Então conversavam, acirradamente, tão envolvidos quanto eu. Sequer sabiam que eu estava a escrever. Eram uns quatro ou cinco rapazes tentando se posicionar no mundo, tentando fazer valer seus ideais.
    Compus uma canção que era um confronto, uma declaração de guerra e a autoafirmação de um posicionamento intelectual. Sentia bem que era inútil lutar - eles eram tantos! Eram desonestos, eram descaradamente desonestos! E o que tínhamos nós além de asas medíocres?
    Passaram-se trinta anos. Alguns destes jovens hoje são "chatos e xucros", outros ainda sobrevivem idealistas, rebeldes nesta guerra em que só nos resta seguir adiante, dentro de cada palavra.
    Inexplicavelmente, também 'Irmandade' se manteve só em manuscrito e arquivo de memória. Uma canção que é tão atual, tão certeira - um hino até, que se manteve hibernando, enquanto eu me ocupava com a vida."