sábado, setembro 09, 2006

O peso das palavras.


Termina a semana. Fria e rápida. Os deputados e senadores deste país votaram por um aumento, sempre benvindo, aos servidores públicos federais. Devo dizer o que o tal aumento me ajudará bem nesta adorável tarefa que é sobreviver. Sobreviver para escrever e experimentar dos açúcares desta vida enlameada. De resto, há aqueles que entedem, os que não entendem, os que fazem galhofa, os que ignoram, os que respeitam. Escrever o que se pensa dá nisso: até a mais óbvia das idéias começa a parecer um mistério. Quase poderia dizer que o exercício nos emburrece, nos tira qualquer certeza, seja do que for. E viver sem certezas é efetivamente um risco. Começamos a ver até o mais cretino dos atos com certa resignação. Há quase uma absoluta compreensão que nunca se resolve.

sexta-feira, setembro 08, 2006

Escarlate.

Scarlett Johansson é uma baita atriz. Esteve, inclusive em meia dúzia de grandes filmes, sob a direção de ótimos diretores. Quem ainda não teve a esperteza de ver Lost in Translation, deve desfazer rapidamente o erro. Um inteligente filme, moderno e simples. Talvez seja mesmo uma das obras que mais traduzem estes tempos de confusão em que sobrevivemos. E tem Scarlett, que é daqueles rostos que causam hipnose. Como o imaginário leitor já deve bem saber, há uma infinidade de galerias em toda a rede, como toda sorte de poses desta bela sagitariana. Indico esta, mas há mais, bem mais.

Um dia na areia branca.

Rosa no mar!

Rosa, rosa de amor purpúrea e bela,
Quem entre os goivos te esfolhou da campa!
Garret

Por uma praia arenosa,
Vagarosa
Divagava uma Donzela;
Dá largas ao pensamento.
Brinca o vento
Nos soltos cabelos dela.

Leve ruga no semblante
Vem num instante,
Que noutro instante se alisa;
Mais veloz que a sua idéia
Não volteia,
Não gira, não foge a brisa.

No virginal devaneio
Arfa o seio,
Pranto ao riso se mistura;
Doce rir dos céus encanto,
Leve pranto,
Que amargo não é, nem dura.

Nesse lugar solitário,
— Seu fadário. —
De ver o mar se recreia;
De o ver, à tarde, dormente,
Docemente
Suspirar na branca areia.

Agora, qual sempre usava,
Divagava
Em seu pensar embebida;
Tinha no seio uma rosa
Melindrosa,
De verde musgo vestida.

Ia a virgem descuidosa,
Quando a rosa
Do seio no chão lhe cai:
Vem um'onda bonançosa,
Qu’impiedosa
A flor consigo retrai.

A meiga flor sobrenada;
De agastada,
A virge' a não quer deixar!
Bóia a flor; a virgem bela,
Vai trás ela,
Rente, rente — à beira-mar.

Vem a onda bonançosa,
Vem a rosa;
Foge a onda, a flor também.
Se a onda foge, a donzela
Vai sobre ela!
Mas foge, se a onda vem.

Muitas vezes enganada,
De enfadada
Não quer deixar de insistir;
Das vagas menos se espanta,
Nem com tanta
Presteza lhes quer fugir.

Nisto o mar que se encapela
A virgem bela
Recolhe e leva consigo;
Tão falaz em calmaria,
Como a fria
Polidez de um falso amigo.

Nas águas alguns instantes,
Flutuantes
Nadaram brancos vestidos:
Logo o mar todo bonança,
A praia cansa
Com monótonos latidos.

Um doce nome querido
Foi ouvido,
Ia a noite em mais de meia:
Toda a praia perlustraram,
Nem acharam
Mais que a flor na branca areia.

(Gonçalves Dias)

Versos etéreos de Gonçalves Dias, aquele que deveria ter seus versos na boca de qualquer moça elegante. Para parte considerável de sua obra, clique aqui.

De volta para o futuro.

Sim. Hoje em verdade é ainda quinta-feira. Mas será sexta-feira, para os registros deste inotório blog. Adiantarei as postagens que puder e passarei o resto deste feriado a melhorar o lay out da Revista. Farei o que puder para torná-la mais agradável e leve. Ou não.

Segundo sempre me dizia o amigo multi-instrumentista André Lopes, companheiro de boemia nos anos 90, Milton Nascimento é o homem-diapasão. Uma baita voz que sempre soube escolher repertório, em toda a carreira. Abaixo, por não chegar a qualquer definição, apresento dois momentos cabulosos deste escorpiano, nascido, como eu, aos 26 de outubro. Acima, Para Lennon e MacCartney, acompanhado daquela boa turma do Clube da Esquina. Depois, em parceria com o onipresente Chico Buarque, Milton interpreta O Que Será (À Flor da Pele), aquela que me parece ser a letra mais magnífica deste compositor irritante. Aliás, devo confessar que cada vez mais me irrito com o Chico Buarque. Como pôde criar tanto! Que sujeito é esse!

quinta-feira, setembro 07, 2006

Toda Nudez Será Benvinda.



Aliás, a propósito, neste dia cívico em que poderíamos louvar o exército brasileiro, mas decidimos pelas cobertas, nada melhor que uma deliciosa galeria de desenhos e fotos, em que a nudez aparece cercada de certa elegância vintage. Há, inclusive, o fetiche mais interessante de todos: as mamães Noel. Homens amam sempre a Mamãe Noel, inclusive aquela dos shoppings, em dezembro. Nada mais belo.

Melhor que o silêncio.

Prepare-se para as lágrimas, elegante leitor. Dois mestres, uma canção apoteótica. João Gilberto e Tom Jobim. Garota de Ipanema. Nem há muito o que se dizer. Assista. Ejacule um "nossa!".
Difícil escolher um entre tantos vídeos do grande João, a voz que é melhor que silêncio, perdendo apenas para miado de gato e sussuro de mulher - se bem que andei conhecendo sussurros poderosamente desafinados, o que me motivou inclusive um conto, que logo publicarei por aqui.

Grosseria e Banda Larga.

O blog anda pesado, é bem verdade. Logo tomarei as devidas providências. De qualquer forma, banda larga é fundamental. Tentar navegar pela rede com conexão discada é um exercício de profunda fé. Coisa para monge. Só mesmo a necessidade para remover as montanhas de kilobytes. Mas reconheço que o peso possa irritar o ávido e imaginário leitor, mesmo possuidor das mais ligeiras das bandas.

Ontem me vi obrigado a excluir um comentário grosseiro, deixado na última mensagem. Parece que a minha tão humilde idéia sobre o assunto incomodou bastante algum leitor ou leitora, o qual chegou a dizer que eu estava sendo hipócrita.

Pois bem, esclareçamos. Não disse que era santo, mas idealista. E ninguém neste mundo poderá dizer o contrário. Sou bem lúcido quanto a isso. Hipocrisia é uma máscara que eu sempre mandei à merda.

Quanto à reação desse querido leitor ou leitora, apenas digo que eu divagava sem muita preocupação. Neste mundo de absurdos, há quem ame e seja amiúde infiel. Claro que há. Amor incompleto, meio aleijão, que une pessoas diferentes em demasia. Amor que une os atropelos de duas criaturas que caminham juntas, mas que olham para lados diferentes da rua. Amor assim acaba deixando as moças carentes, os rapazes aflitos. Todos nós queremos muito e muito. Muito mais prazer, muito mais carinho. E alguns, mesmo amando tanto, acabam não se privando de outros corpos. Raul Seixas já cantou A Maçã, clássico das justificativas. Mas aqui o caso é outro. Trata-se de lealdade e concepção. Em geral, não há o mesmo entedimento. Há mais sordidez que filosofia no peito de muita gente. De qualquer forma, o assunto me parece digno de muita elocubração. Se alguém tiver o que filosofar que o faça, nos testemunhos. Mas sem essa de dizer que faço galhofa. Sei bem da minha vida e... Hum. Todo mundo sabe bem justificar os próprios erros. Se agarrando às vezes ao absurdo.

Abaixo, a letra da canção citada.

A Maçã.

"Se esse amor ficar entre nós dois
Vai ser tão pobre amor, vai se gastar...

Se eu te amo e tu me amas
E um amor a dois profana
O amor de todos os mortais
Porque quem gosta de maçã
Irá gostar de todas
Porque todas são iguais

Se eu te amo e tu me amas
E outro vem quando tu chamas
Como poderei te condenar
Infinita tua beleza
Como podes ficar presa
Que nem santa no altar

Quando eu te escolhi para morar junto de mim
Eu quis ser tua alma, ter seu corpo, tudo enfim
Mas compreendi que além de dois existem mais
O amor só dura em liberdade
O ciúme é só vaidade
Sofro mas eu vou te libertar
O que é que eu quero se eu te privo
Do que eu mais venero
Que é a beleza de deitar."

(Raul Seixas e Paulo Coelho)

Como me dizia um distante amigo, "para alguns, a consciência somente vem com o chifre. Quando traem, há o despreendimento. Quando são traídos, há a maldade".

quarta-feira, setembro 06, 2006

Morena dos olhos de concreto.

Fria é a manhã, como são frias as idéias que perpassam em todos. Ou alguém terá alguma magnífica idéia, enquanto as mãos pouco conseguem digitar o texto pensado? Alguém que viva em Porto Alegre achará graça das reclamações paulistas. Houve mesmo alguma neve na capital gaúcha. Por aqui, o frio poluído vai maltratando lentamente, sem neve e sem o menor lirísmo. Ontem eu tive uma ligeira tristeza imaginada e me pus a escrever sobre a língua preta dos ciúmes, mas após a quinta linha, meus dedos tornaram-se inoperantes. Decidi pelo silêncio.

Neste instante, o ciúmes não é tema que me comova. Ninguém normal tem ciúmes logo pela manhã. E nem mesmo dá pra ter um ciúme dos diabos com um frio que impossibilita, em tese, qualquer deslize moral. Mas nem era realmente o ciúme o tema não escrito. Era a insegurança, coisa ainda mais elementar. De resto, devemos mesmo compreender que a possível lascívia brasileira se deva mesmo ao clima, o qual sugere nudez e suor. Não imagino mesmo que islandeses ou filandeses sejam de tirar a roupa a cada cantada barata.

Noutro dia, inclusive, em prosa com um amigo de moral pra lá de moderna, cheguei a uma idéia das mais evidentes: como há gente cafajeste nesta terra! Há gente demais cuja safadeza não tem mais a menor culpa. Mulheres traem e não mais sofrem como aquela linda Luísa de O Primo Basílio. Chegam a reclamar até, da modorra sexual do mundo. Homens não mais se esquivam, comprovam, até, cada uma de suas aventuras, para eles tão naturais quanto beber um gole de leite. Se eu me metesse a fazer um censo, chegaria às conclusões mais desesperadoras. Cerca de 80% das pessoas que conheço, entre amigos e amigas, traem seus respectivos maridos e esposas sem o menor constrangimento. É a mulher do japonês que sai com o sujeito que sai também com outra, noiva de outro, que deve ter lá também suas amizades. É a moça que trai o marido com um garoto; é o outro que sai com qualquer traste, pelo esporte ou pela prática. Há sacanagem demais por aqui.

Há uma meia dúzia de leais figuras, tão raras quanto simplórias. Gente que ainda não parece ter perdido aquele ideal de relacionamento romântico, com paixão e dedicação. Mas tão raros somos que cada vez mais nos assemelhamos aos honestos sem farpas. Somos poucos aqueles que, após alguma derrapada, ficariam a se corroer pela culpa e pela angústia. Mas como diria alguns de meus amigos, a culpa sentida não justificaria absolutamente nada. Concordo. O que me espanta, certamente, é a preguiça mórbida em se tentar um melhor relacionamento, incluindo-se toda a sorte de fantasias e concessões...

Em verdade, a questão me parece ainda mais simples. Nenhum destes muitos infiéis ama. Pensam amar, porque é bom sentir amor dentro do peito vazio. Mas amor mesmo é quando a gente, mesmo tendo olhos para o mundo, não sai mentindo, inventando histórias, procurando por diversão. Que diversão mesmo, a gente tem com quem ama - e há mais possibilidades de diversão que o registros das cartilhas.

Nada com a conversa acima, Morena dos Olhos D'água, de nosso ícone Chico Buarque, é interpretada por Caetano Veloso, o homem da voz precisa, encantatória.

terça-feira, setembro 05, 2006

Dia da Juventude.


Ontem, pela televisão, eu acompanhei Maria Sharapova, em mais uma vitória sua no Aberto dos Estados Unidos. Hoje ainda faz frio. Um frio que nada revela. Nada. Frio que é tão somente uma sacanagem com os que acordam cedo. Ontem eu torci mesmo pela Maria Sharapova, que faz cara de esnobe a cada segundo. Uma cara de esnobe que não tem imperfeição. Hoje eu sinto aquela saudade dos ventos agradáveis de outubro, tão próximo. Hoje a câmera dos deputados provavelmente votará um singelo aumento para os amanuenses desta querida Justiça Federal. Hoje nada mais importa. Aumento de salário é a pacificação plena. Ontem eu me lembrei dos tempos em que tentava jogar tênis nas quadras da USP. E também me lembrei da minha falta de habilidade com o desporto, seja ele qual for. Ontem eu cheguei a uma conclusão: "a Maria Sharapova deve dar um tapa bem dolorido". Pensei também, um tanto mesquinho, que "se a Maria Sharapova tem muito dinheiro, mais dinheiro deve ter quem rouba-lhe os favores". E cheguei até a indagar, desanimado: "quando é que vou estar presente, naquela platéia de contentes, a ver e o ouvir os hábeis talentos de Maria Sharapova?". Talvez quando a Maria Sharapova estiver aposentada e outra tenista ainda nem nascida representar as vicissitudes de afrodite nas quadras do mundo. Hoje os deputados devem votar o aumento da minha gente - o que já me provoca os furores. Mesmo o almoço estará prejudicado. Alguns daqui roerão as unhas todas. Cada um pensando nas dívidas que serão finalmente eliminadas. Ou nos novos objetos para a composição do lar. Eu terei um novo tapete. Porque é frio hoje. O chão anda gelado e um tapete felpudo trará algum alívio aos pés cansados. Pés cansados de escritor sedentário. Ver a Maria Sharapova, pra lá e pra cá, até me deu certa tristeza... Abaixo, a moça aparece elegante em agradável comercial da Nike. A canção, para quem não souber, é do absoluto clássico West Side Story (Amor Sublime Amor), composta pelo meu amado mestre Leonard Bernstein.

Nunca fumei um cigarro.

Eu nunca sonhei com você
Nunca fui ao cinema
Não gosto de samba
Não vou a Ipanema
Não gosto de chuva
Nem gosto de sol
E quando eu lhe telefonei
Desliguei, foi engano
O seu nome eu não sei
Esqueci no piano
As bobagens de amor
Que eu iria dizer
Não, Ligia, Ligia

Eu nunca quis tê-la ao meu lado
Num fim de semana
Um chope gelado
Em Copacabana
Andar pela praia até o Leblon
E quando eu me apaixonei
Não passou de ilusão
O seu nome rasguei
Fiz um samba-canção
Das mentiras de amor
Que aprendi com você
Ligia, Ligia

E quando você me envolver
Nos seus braços serenos
Eu vou me render
Mas seus olhos morenos
Me metem mais medo
Que um raio de sol
Ligia, Ligia.

(Tom Jobim)

Quase tomado por um epifania, deparei-me com o sítio Clube do Tom. Belezura de lugar onde o internauta sortudo encontra tudo o que Antônio Carlos Jobim fez, além de imagens, histórias e análises críticas. Nada mal para uma terça-feira de frio que não nos permite reflexões interessantes.

segunda-feira, setembro 04, 2006

Esta é a minha mensagem para você.

Quando o dia estiver ruim, ouça e perceba cada palavra do poeta Bob Marley. Um grande compositor que permanece infelizmente sendo apresentado num esteriótipo bem sem graça. Gilberto Gil torna a clássica Three Little Birds ainda mais bela, neste clipe de belos contornos.

Frio na grande cidade.

Hoje o frio é tanto que nada nos resta a não ser desejar pelos cobertores, os travesseiros e pela doce companhia de um corpo. Isto me leva a uma consideração acerca de uma prosa estabelecida há alguns dias, com o fiel escudeiro de O Deselogio da Vida. Pensávamos nos solitários: os muitos solitários que conhecemos. Aquelas amigas, aqueles amigos que não têm a sorte ou competência de encontrar bom amor que os aqueça. A primeira evidência é: solitários não se atraem. Quando se encontram há uma impaciência recíproca. Não se gostam. A moça solitária, tão educada e de boa aparência, reclama da ausência de homens razoáveis nesta sociedade de tanta gente. Quer um homem que atenda aos seus critérios: bem "sucedido, educado e apessoado". O moço solitário espera pela princesa, arrojada e impulsiva, sabedora das artes e dos prazeres maiores. Esperam pela utopia, naturalmente. Por isso, em parte, são solitários. Mas solitários não se querem. Não fosse assim, a solidão de ambos estaria terminada e tudo seria adoravelmente simples. A moça solitária reclama. Sente-se a mais sem graça das mulheres. O moço quase desaparece pelas ruas, tão discreto e cabisbaixo.

Os solitários esperam pelo ideal. Não sabem que a perfeição de quem amamos deve apenas ser proporcional à nossa. Há seis bilhões de criaturas, seja de que tipo e sabor. Há sempre quem nos possa ver bem. Relacionamentos, antes de todo romantismo, são também associações de classes e objetivos. Que o moço solitário comece a olhar para outros cantos. Encontrará alguém que mais se assemelha a ele, que o enchergará até como aquele bem "sucedido, educado e apessoado". Mas que ele não espere pela última utopia dos amores. Ou espere e aceite a solidão.

Que a moça deixe a mania de ver defeitos em todos. Ela mesma, cheia de chatices e angústia, pode mesmo encontrar um homem que a complete se não mais buscar pelo homem que lhe seja superior em cultura e finanças. Ou espere e aceite a solidão. Tudo chega a ser lógico: solitários têm olhos errados pra si mesmo. Não percebem o que são em verdade, com todas as qualidades e defeitos. Ou se os olhos funcionam, fogem da imagem que tem de si. Aliás, a lei primeira para essa coisa de ter gente ao seu lado é ter a consciência exata do traste que somos. E não posar de linda Cinderela ou de maravilhoso poeta dos desencontros. Seja humilde e não seja. Mas tenha em mente que bem perto de nós, estão os iguais: gente que cabe bem nos nossos dramas.

Sempre nos parece fácil dizer qualquer coisa, quando não somos os personagens. Mas olhando de fora, sem pânico algum, notamos que grande e larga é a estrada pra andar. Mas os solitários, tão pequenos ficaram, somente notam os mesmos e vazios caminhos.

PS.: conheço muitos trastes cheio de amores. Talvez porque tenham consciência do próprio valor. Talvez porque mintam. Talvez porque são amados também por trastes ainda piores. Mas não esperam, agem. Ou como diria o amigo Machado de Assis, "as melhores mulheres pertencem aos homens mais atrevidos". Não necessariamente, aos mais atraentes.

domingo, setembro 03, 2006

Só cante quem puder judiar.

A semana musical que agora começa - semana que, repito, deverá ser de tranqüilidade - tem um tema confusamente defino como "vozes masculinas de gente grande da música brasileira". Somente aqueles que cantam mais que a p*. Creio até ser desnecessário explicar. Comecemos com o elementar Ney Matogrosso, que vem cantando Poema, canção de um de seus melhores discos: Olhos de Farol, de 1999.

Gaviões noturnos.

Começando esta semana que deverá ser de tranqüilidade, a maravilhosa obra de Edward Hopper, americano que bem revelou a face esquizofrênica da sociedade americana. Um artista largamente encontrado na rede, o qual é referência obrigatória para o entendimento da arte contemporânea. Boas galerias aqui, aqui e aqui.

Crônica Dominical

Algum desnaturado aumentou o limite do meu amaldiçoado cartão de crédito. Naturalmente, cerca de algumas horas depois, estávamos lá, os vorazes pelo consumo, a se deleitar nas lojas de um shopping center.

O consumo é feito dos desejos mais primitivos: ficamos a olhar para os lados, caçando, com certo desespero. É olhos pra tudo, quase sem critério. E segundo o que logo nos parece, quanto mais trabalho nos dá pagar, mais a aventura consumista se torna deliciosa. A cada objeto comprado, vinha-me aquela sensação de culpa que parece aquela dos pecados bem imorais que a gente só comete nos entreatos dos mistérios. Assinamos as notas de compra com jeito de quem põe a mão nos meios alheios e virgens – é aquela proibição que a gente manda à merda. E compra, primeiro com fé, sabendo dos trocos, daquilo que nos sobrará depois, para as obrigações de sempre. Depois vem aquele efeito de “já que estou lascado” e acabamos por ignorar a lógica matemática. Gastamos como num porre que começa num gole discreto de licor, se entregando depois às cachaças do absurdo. A ressaca vem depois, bem depois, naquele dia de acertar as contas. Entre somas e subtrações sem acerto, descobriremos (e descobrimos sempre) um jeito de nos arrumarmos; cobrindo a cabeça, descobrindo o pé.

É aquela aventura do pobre sujeito de classe média - que se não chega a andar de iate, também não vive de pescoço de frango. Que, como a grande maioria dos leitores desta Revista, faz aquilo que poucos povos do mundo sabem fazer tão bem: rebolar com estilo. Transformar o nada que a gente ganha em contas dali e daqui, passando aperto num tempo, esbanjando panca de granfino noutra hora. É a arte brasileira de sobreviver de assalto em assalto; é o imposto de renda que nos leva quatro meses de salário por ano; são as taxas de banco; é o preço da gasolina e do telefone. É a lama, é a lama.

Ah! É a gente se virando pra ter toda essa sorte de coisas bonitas: é o perfume para o encanto da mulher; é a bolsa, para o entulho do marido – são as tralhas que a gente crê nos melhorar, dar boniteza para os olhos dos outros. É a minha menina que sorri em novos panos. Sou eu mesmo que acho graça, penso em como é bom dar mimos a quem nos quer. E tanto há pra se dar. E tão pouca a remuneração.

Ah! O vício do consumismo é quase tão danado quanto alguns outros, mas se pode nos levar à lama, nos ensina também a sobreviver, indo e voltando das negras listas dos credores. A gente sobrevive, mesmo contra a violência daqueles que têm muito, muito, muito mais grana que a gente, os quais querem sempre nos arrancar até a última gota de sangue e suor. Pra ter também, esta gente, bem mais champanha. Bem mais perfumes. Bem mais qualquer coisa.