sábado, março 24, 2007

Fim de férias.


Acabam-se, por fim, minhas férias. Na segunda-feira estarei de volta àquela repartição de ar rarefeito e iluminação precária. Volto contudo ainda tomado pela letargia que estas férias me proporcionaram. Talvez em duas semanas eu já tenha me readaptado ao trabalho e suas pestilências. Talvez nunca mais. Infeliz o homem que inventou o trabalho - e ainda menos venturoso aquele que inventou o descanso.

sexta-feira, março 23, 2007

Eleanores.

Diversas versões de Eleanor Rigby. Afinal uma postagem instrutiva. The Beatles, Pain, Godhead, Stanley Jordan, The Zoot e Shirley Bassey. E, de sobra, The Beatles Eleanor Rigby Reggae Mash Up Bootleg Video Remix - excelente!







O que é fundamental?

Sempre ouço, vejo pessoas e livros, histórias, fábulas - e nelas há alguma mensagem, alguma lição, algum acalanto para o nosso desespero. Vivemos a bagunçar a ordem das coisas, tentando e tentando, feito idiotas, consertar o estrago de nossas vontades. E haverá sempre um "padre, professor ou policial", um iluminado, cercado de conselhos, empenhado em nos ajeitar a vida.

Quando pequeno, lembro-me de perceber que a Bíblia era um livro cuja finalidade primeira nem era contar a história de um povo ou deus. Era ajustar o mundo. Deixava de contar bem uma história para se ater ao controle, às expressões que pudessem ajudar o sempre cambaleante humano. Desde aquela época, portanto, tenho certa pirraça com os livros que catequizam, tentam educá-lo de modo quase violento. Ora, quer pior ameaça que o tal de inferno? Seja isso ou aquilo e passe resto da existência a queimar no fogo sagrado (e todos nós sabemos como dói alguma queimadura).

Na televisão, a todo instante, um pastor, uma apresentadora de fala mansa, um sexólogo ou velho de barba branca, sempre uma legião de sábios a nos mostrar como a vida pode ser boa, sem sofrimentos, arrependimentos, dívidas e confusão. Todos querem salvar o mundo... Salvar o homem, que é torto em pele e estrutura. Homem é animal feito gorila, cachorro e jacaré. É um bicho e toda esta evolução não nos livrou de muita fúria de fera que ainda nos habita. Somos todos, sem nenhuma exceção, animais a se desesperar com as próprias limitações e bestialidade.

Acabamos por fazer, ao passar dos séculos, tantos modelos ideais, tantas ilusórias formatações para o homem que pudesse construir uma sociedade sem máculas, que hoje é impossível viver sem qualquer peso titânico na consciência. Somos tortos e não gostamos disso. Nunca sabemos com precisão o que realmente nos é fundamental.

E o que é fundamental nesta vida? O que é? Que conduta levar? As evidências nos levam ao dinheiro, à sacanagem, ao experimento, ao descontrole, para que a vida seja empírica, inegavelmente vivida. Não sei ao certo se me compreendem. Nem mesmo eu chego totalmente a me compreender. Mas a vida que pregam os pregadores me parece anódina, superficial e estranha para o homem.

Eu, cá no meu canto, já não me iludo. Não vejo acerto nestes paradoxos de autocontrole. Se nos controlamos nos preservamos - perdemos da vida o fogo e água. Se nos deixamos perder, infelizmente, perdemos a terra e o ar. Como se equilibrar em tão fina linha de civilidade e prazer? Se é tão bom ver nas coisas um significado a mais - ver no amor, no sexo, nos embriagadores... Ora, começo eu a pregar... Seria estúpido se pusesse a isso. Vez ou outra eu até falo como se soubesse algo... Mas é meio que tentanto entender, compreender de fato.

Ou talvez eu saiba mesmo uma certa coisa: a sacanagem, o gozo, o tesão de corpos, as rupturas de peles e tabus, os gostos, as formas, as bocas e línguas... como tudo isso é bom! Como tudo isso é mesmo fundamental para a sanidade!! Como é belo se entregar e provar sua força e arte! Como é belo fazer gozar e gozar amiúde, a sorrir e tremer!

Mas quem é que não saberia disso? Quem? Tudo é tão evidente...

Fim de férias.

Na próxima segunda-feira volto aos trabalhos. Volto àquela vida de acordar cedo, ter sono por todo o dia. Àquela vida de trens, ruas, gente de todo tipo, aos contorno da Barra Funda, aos desarranjos da Rua Líbero Badaró.

Feito um moribundo sabedor da próximidade de sua morte, fica renitente na cabeça a idéia de tudo aproveitar, ao máximo.

Mas que fazer?... Se tudo é mesmo a mesma coisa já vivida?...

*

Vejamos novamente Kate Moss, agora em vídeo do Primal Scream e a canção Some Velvet Morning.

quinta-feira, março 22, 2007

Parque dos Girassóis.

Acabo de voltar de um sepultamento. Estavam todos meio tristes, mas não muito. Havia apenas aquela perplexidade de sempre. Quando alguém morre, nos lembramos que morremos todos, sem mais delongas. Mas desta vez o que me chamou a atenção foi o silêncio durante o sepultamento. E mais que o silêncio, a atenção que todos deram aos trabalhos dos coveiros. Todos olhavam as suas mãos, os baldes de cimento e pás. Parecia naquele momento que os coveiros tornavam-se astros da manufatura, artesões ou coisa que o valha. Estavam cansados, bem notei. Estavam até enfadados - tantos sepultamentos ao longo dia, mas possuíam a quase majestade daquele coveiro de Hamlet. Um deles permanecia com o rosto fechado, concentrado feito um batedor de penalty. Ou outro estava bem disposto, de olhos bem abertos a toda platéia. Sobretudo às mulheres. Certamente a visão que ele tem daquele buraco na terra pode revelar boas imagens, não obstante a tristeza de tudo. Quando partiu não disse nada a ninguém. Nos deu um "tchau", abrindo os dedos da mão suja de terra e quase sorrindo, sabendo bem da sua importância naquele momento.

Lembro-me de alguém ter dito algo sobre a falta de espaço para a criação de novos cemitérios. Problemas no setor imobiliário e encarecimento de lápides. Muito se fala de curioso nestes momentos de passamento e despedida.

Me enterrem com nariz de palhaço.

Um velho tio, não muito próximo a mim, morreu ontem pela noite. Hoje teremos um velório e um enterro para o encontro da família. E é bem certo que alguns membros da família eu vejo somente em ocasiões semelhantes. Será provavelmente triste. Alguns se lembrarão do parente falecido, outros pensarão em si mesmo e na ocasião da morte, no momento em que deixará a vida para se juntar ao pó e ao esquecimento. Haverá velhos e crianças. Haverá católicos e eu, ateu. Em todos nós aquela triste susto da morte: em todo o enterro eu acabo pensando, olhando a todos: quem será o próximo? Bem, sei que é fúnebre, mas é o que me vem à cabeça, vendo na existência uma certa trama de Hitchcock.

Estou em meu escritório, agora, relutando um pouco. Pensando no desagrado, no desrespeito aos vivos. Meio insuflado de Dostoiévski chego a duvidar da minha presença, balbuciando que "velórios não é cousa que possa nos...", e tento mesmo me justificar.

Desde já, combinemos todos. Quando chegar a minha hora, avisem a todos, inventem que eu amei por toda a vida o carnaval, façam uma festa, todos a beber, todos a pensar que o que me alegra nesta vida é o riso. Enterrem-me com um bonito nariz de palhaço. No canto dos lábios, um cigarro daqueles.

quarta-feira, março 21, 2007

Os 10 cantores.


Tenho mania por listas pessoais, inclusive pelas listas dos outros. Hoje me meti a pensar: quais as dez mais belas vozes masculinas da história da música popular neste passado século XX. Envolto justamente em buscar por critérios, não me ajeitei a ponto de conseguir nenhum rumo. Penso em Elvis e Sinatra. Os dois encabeceriam a lista, é bem certo. Pensei em Cauby e Sílvio Caldas. Mas seria melhor excluir os brasileiros, para que eu tenha mais lista futura. Elton John e Ray Charles também eu deveria excluir, uma vez que são pianistas... E seria justo também incluir um Mercury? Um vocalista de banda, cantor de ópera, de bossa-nova? Ora, como estabelecer critérios se tantas são as linhas que se processam na memória?

Por isso, nada me convence, listas pessoais devem obedecer apenas ao critério do subjetivo encantamento. É ouvir e saber. E sei que a lista um dia será feita, mas por ora tenho apenas a certeza de que Dean Martin estaria entre os dez. Abaixo, três momentos do grande crooner americano, com Up a lazy river, participação dos Mills Brothers, Blue Moon e Ain't That A Kick In The Head. Dá para perceber que ele merece estar entre os grandes, nesta arte de cantar (e ainda manter a consciência...).






A diretoria.


Não vi e detestei. Não vi e julgo G.I. Jane uma das maiores bobagens da história do cinema. A idéia, de qualquer modo, me parece um tanto infeliz. Tão infeliz que talvez tenha sepultado a carreira de Demi Moore, naquele momento uma atriz do primeiro time. Mas a indústria do cinema tem mesmo uns bons ícones que atraem boa verba, os quais se esvaem com o tempo. Lembro-me de ter visto e adorado a bela Demi Morre no simpatissíssimo About last night... (Sobre ontem à noite, 1986, com Rob Lowe e James Belushi)...


Naquele momento, Demi Moore me pareceu bem promissora. Em muitos aspectos. O filme é simples, bem escrito e um dos mais expressivos filmes daqueles anos. Mas veio Ridley Scott, o tempo, as idéias gloriosas, os roteiros chocantes e a guerra do Golfo, e Demi Moore participa então de uma porcaria de filme (que eu não vi) e acabou masculinizada e careca. Talvez eu esteja sendo raso, comparando a atriz da comédia romântica, em que ela esbanja feminilidade a outra em que ela empunha armas e se sacrifica. Mas que poderei fazer nesta vida se sou de "ver e não gostar"! Não vi jamais qualquer capítulo de Lost, a tal afamada série. Mas odeio. Jamais vi qualquer capítulo da atual novela que a rede Globo apresenta na faixa das sete horas. Nem sei que novela é. Mas detesto. E, finalmente, leitor, jamais vi ou li Harry Porter, mas algo me diz que eu sofreria terríveis dissabores.

E, convenhamos, Demi Moore bem que mereceia melhor sorte. Striptease, G.I. Jane e The Juror destroem qualquer carreira.

Um recado.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E enfim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

(Luís Vaz de Camões)

terça-feira, março 20, 2007

Nikon.


Agradável propaganda. Kate Moss e Nikon.


20


Chegamos à 20ª colocação naquela longa lista das cem canções que mais me comoveram nesta vida. E mesmo que a lista seja pessoal, sem critérios além daqueles que eu inventei, é bem provável que estas últimas canções agradem a muita gente. E a vigésima colocada foi a última que conheci entre todas as cem que estão neste compêndio. Nada que ouvi depois me agradou o suficiente ou me causou tamanha surpresa. Radiohead é mesmo uma banda diferenciada. Até um sujeito avesso às novidades da indústria fonográfica acabou literalmente tomado pela obra da banda inglesa. E Karma police - daquele espetacular álbum Ok computer - foi a que primeiro me fisgou. Até hoje me lembro. Estava na USP, acompanhado de meu velho walkman. Faltei a duas aulas tão somente para ouvir e reouvir a canção - até que dela tivesse alguma intimidade. Foi a minha última paixão musical - semelhante inclusive àquelas paixões de antes, da época de With the Beatles, Chega de saudade e Life on Mars, outras fases de descobertas musicais e alumbramento.



Karma police

Karma police, arrest this man, he talks in maths
He buzzes like a fridge, hes like a detuned radio
Karma police, arrest this girl, her hitler hairdo, is making me feel ill
And we have crashed her party
This is what you get, this is what you get
This is what you get, when you mess with us

Karma police, Ive given all I can, its not enough
Ive given all I can, but were still on the payroll
This is what you get, this is what you get
This is what you get, when you mess with us
And for a minute there, I lost myself, I lost myself
And for a minute there, I lost myself, I lost myself

For a minute there, I lost myself, I lost myself

(Radiohead)

domingo, março 18, 2007

Menina chapada.

 


Uma mulher chapada pode ser uma maravilha ou um pesadelo - tudo depende muito de circunstâncias e intensidades. Dizem por aí que Kate Moss é daquelas meninas lindas que gostam de perder o senso. Se fica agradável, fácil ou violenta, não sei ao certo - nem me vejo em condições de supor qualquer coisa. De todo modo, resumindo o óbvio, quando é bom, é bom. Mas quando é ruim, é péssimo. No vídeo abaixo, Kate Moss não nos parece nada ruim, em qualquer hipótese. Dança I Just Don't Know What To Do With Myself, do White Stripes. Uma boniteza só. Resta ao imaginador de tantas imagens, imaginar. Que poder terá? Que face terá? Em que a beleza se transforma, se é que se transforma?



Para fotos da moça, aqui e aqui.

Pelé, 1970.

Maravilhosa copilação com toda a trajetória da seleção brasileira na esfuziante Copa do Mundo de 1970, no México. Pra rever o mestre Tostão, pra rever Rivelino e Jairzinho. Pra rever Pelé. Pra saber, afinal de contas, que futebol também é arte, inteligência e instinto. E há, para o meu espanto, quem não veja no esporte, seja ele qual for, uma forma perfeita de invenção e estética. E nem falo de certas mulheres ou de alguns intelectuais. Falo de muitos que até vão ao estádio, gritam o nome do time e pululam. Neste país grosseiro, infelizmente, muito pouco se sabe de arte.

Crônica Dominical.

Há quem seja junkie. Há quem não seja. Há quem esteja em desapego, sem muitos laços, mandando tudo à merda. Há quem não esteja. Há quem valorize demais cada uma das suas pulgas e há quem não veja um palmo qualquer diante de seu nariz. Apenas não sei ao certo... há quem suporte viver uma vida sem qualquer fuga? Ora, sei de gente que é só fuga, correria teimosa para fugir de si ou de tudo. Mas haverá - neste mundo danado - quem suporte a vida sem qualquer tipo de quimera? Haverá algum - um único que seja?

Conheci gente de todo jeito, classe e manias. Gente que era triste, ou que nem ligava, ou que se ligava a tudo e se perdia. Mas não vi quem não tivesse a sua ilusão.

Conheci gente bêbada, ordinária, frívola. Conheci incertos, intelectuais e imbecis. Todos eles tinham medo. Todos tinham modos, verbos, autoproclamação e muitos elogios. Mas não vi quem não tivesse a sua ilusão.

Ilusão que se vê nas garrafas, nas igrejas, nas fumaças, nas novelas, nos pós e pílulas, na arte e num pedaço de torta. Está até no amor que se inventa, nas putas, nos gritos de um torcedor de qualquer coisa - está na grana, nos supermercados e nas curvas bem tratadas da modelo. A ilusão de cada é um é uma. Às vezes se confunde a outras, às vezes é um atropelo que destrói a vida alheia, destrói a paz do mundo.

Pois há ilusões que são de muita gente, de um povo, de uma raça. Pois há ilusões que justificam a morte e a guerra, os deuses convergentes e divergentes.

E é necessário perceber: há ilusões que são boas, não agridem a ilusão alheia, nem são feitas de lixo e raiva. Há tão boas ilusões, amigo leitor, que se tornam fundamentais para a sobrevivência. Este é talvez o maior dos infernos: a vida, besta que é, nos obriga a acolher tantas belas viagens e fantasias que chega a ser difícil, depois, bem julgar de fato o que é a realidade, o que é a invenção.

Há bêbados. Há cegos. Há crentes. Há amantes. Há artistas. Há criminosos. Há felizes. Todos eles tomados da mais violenta ilusão - necessária, talvez, para a que vida não se perca em silêncio e imobilidade. E há quem seja junkie. Há quem não seja. Há quem esteja em desapego. Há quem não esteja. Tanto faz. Sem ilusões não há movimentos, seja para a esquerda, seja para a direita. O que, em verdade, tanto faz também.