Meus queridos leitores imaginários,
Estou farto.
Tenho vivido mal, há anos e anos, por conta de um problema sutil em meus ouvidos, o qual parece estar sempre tampado, feito se eu vivesse numa imaginária Serra do Mar. Estou farto e finalmente procurei ajuda médica. O que, creiam-me, nem sempre significa muito.
Mesmo porque há mazelas sem cura e algumas das quais a ciência jamais se atentou.
Bom, disto isto, um desabafo deveras inútil, volto-me à reflexão, com o interesse de encontrar uma idéia: um vídeo-blog seria-me algo de doce fartura. E neste caminho vou. Mas ainda me debato em complexas contrariedades. Sobretudo complexas, uma vez que busco associar a inventividade, a penúria e a preguiça num mesmo ramo de criação.
O que, convenhamos, não é mesmo fácil e é atributo tão somente dos gênios, aqueles que com adversidades enormes ainda podem se dar ao luxo de criar.
Isto bem me lembra o meu compadre Dostoiévski, o qual escreveu Crime e Castigo quase todo em pé, por culpa das muitas hemorróidas, faminto e escondido dentro da própria casa, por conta do proprietário do imóvel que lhe cobrava o aluguel nao pago. Ora, se o escorpiano Feodor escreveu tão magnânima obra em tais condições, bem posso eu, na minha pobreza quase semelhante, dores de dente e ouvido estragado escrever também alguma obra de tão rica natureza!
Se bem que as comparações são de grande injustiça, uma vez que eu nunca estive preso e nem sou epilético. E o nosso grande gênio russo também, que eu saiba, não soube jamais da existência de Osasco, nem engoliu tanta poluição quanto eu, nem jamais foi um pálido funcionário público.
Pois digressionando se chega à sabedoria, nos diria alguém, e volto ao que nos interessa. Estou em vias de descobrir o tal modo revolucionário de nos comunicarmos, ó grande mundo. E são tantas as adversidades que mais eu me sinto confortável. "A adversidade desperta em nós capacidades que, em circunstâncias favoráveis, teriam ficado adormecidas", nos lembra o bom Horácio. Arre! Então eu, já entediado de tudo, peço-me mais meia dúzias de adversidades, as quais me sirvam mesmo de vento e escada. "Dificuldades reais podem ser resolvidas; apenas as imaginárias são insuperáveis", ensina aquele empresário da telefonia Theodore Newton Vail, a cuja insistência devemos esta coisa de telefone que tanto nos agrada nos tempos modernos. Assim, boa Fortuna, que as malditas dificuldades imaginárias se esgotem, ó céus de setembro!
E, por fim, como bem sei da solidão que este poeta enfrenta - a maior das adversidades! - devo entreter-me com os meus botões, os quais talvez me ajudem a encontrar a tal idéia. Encontrando-a, bem sei, todas as muitas adversidades serão apenas portas e janelas que eu abri, sem qualquer vergonha.