sábado, outubro 28, 2006

Sábado.

A partir desta próxima semana, lançarei algumas charadas. E espero que alguns de meus leitores encaminhem a mim, também, algum mistério. Basta deixá-lo nos testemunhos. Nesta próxima segunda-feira, publicarei a primeira. De resto, pra variar, a preguiça não me permite refletir e tudo anda apenas num desejo absoluto por férias, praia e muito gelo.

sexta-feira, outubro 27, 2006

A Pornografia é fundamental. Erotismo é um eufemismo dos pudores.

Apesar de especialista e adorador da pornografia, não acho que este humilde blog seja o local para tão fortes imagens. Pois além da concorrência quase deslal, que os sítios especializados poderiam fazer, há leitores que andam por demais carentes... Seria quase um "maltrato". Há moços solitários e já desgastados de tanta rude masturbação e moças de bom-gosto que começam a ter os dedos finos... Bem, há pornografia que tem muita elegância, quase um pé na arte pictórica elevada do mundo contemporâneo. Quase. Pois ainda há o que se crescer parar merecer tão elevado status. E ainda é rara como estilo. A avassaladora produção do gênero ainda é estreitada em fórmulas apenas excitantes. Desassociada de qualquer outra apreensão, seja pela música, seja pela imagem.

Caetano Veloso, genial que é, poderia bem fazer a trilha sonora. Um pornô com trilha de Caetano Veloso seria no mínimo bom. A edição de Daniel Rezende, por exemplo, cujo trabalho em Cidade de Deus mereceu mesmo cada um de seus prêmios e indicações. A direção? Pena que Arnaldo Jabor tenha se tornado este chatíssimo comentarista político. Mas creio que Daniel Filho, com sua larga experiência em sacanagem, em qualquer sentido, certamente saberia o que fazer. Para o elenco não faltariam estrelas e nem creio que precise nomeá-las... Mas não vá pensar em nomes do tipo Rita Cadillac, por favor. Digo de mulheres cuja beleza é um verdadeiro crime, tais como Aline Moraes e Letícia Sabatella. Os homens, numa pornografia, mesmo a melhor delas, quase nem tem a menor importância, contanto que sejam homens e gostem do trabalho.

Bastaria, então, uma bela fotografia e um roteiro que não desrespeitasse a inteligência alheia. Que fosse tão simples quanto engenhoso, tão lascívo quanto provocante, tão explícito quanto lírico. E, ainda, tão sujo quanto limpo, claro, noturno, Baco e bacantes, elegante e assustador. E sem filosofia demais, como nalguns clássicos de Bertolucci, os quais podem e devem ser o que são, uma vez que são dramas e não pura e doce pornografia.

E deveria, afinal, ter um texto escrito por quem conhecesse Marquês de Sade, Ovídio e Laclos; que já tivesse ouvido e dito também tanta boa sordidez e, sobretudo, soubesse o quanto é bom ouvir aquela voz, a dizer em palavras simples tudo aquilo que o corpo, naquele instante, sente.

Para maiores de 18 anos, por favor, um exemplo de classe, neste vasto mundo sujo da rede mundial de computadores.

80, pois a canção 81 desaparece de mim.

A canção 81 desapareceu novamente de mim. O DVD em que ela se encontra está em lugar incerto e não sabido, conforme atestaria algum oficial de justiça. Nada que um compartilhador de arquivos qualquer não resolva tranqüilamente. Enquanto isso, mesmo contra meus princípios de ordem e progresso, ouçamos a canção a qual ocupa a 80ª colocação.

E creio até desnecessário comentar o óbvio. Qualquer sujeito deste mundo bem poderia confirmar esta canção eternizada pelo mestre Dick Farney. Quem jamais teve um caso, uma loura? Ah! Bendito hino.

Uma loura

Todos nós temos na vida
Um caso...
Uma loura...
Você, você também tem

Uma loura é um frasco de perfume
Que evapora...
É o aroma...
De uma pétala de flor

Espuma fervilhante de champagne
Numa taça muito branca de cristal
É um sonho....
Um poema...

Você já teve na vida
Um caso...
Uma loura...
Pois eu, eu tive também

Espuma fervilhante de champagne
Numa taça muito branca de cristal
É um sonho...
Um poema...

Você já teve na vida
Um caso...
Uma loura...
Pois eu, eu tive também!

(Hervé Cordovil)


A dosagem.

De nada nos adianta correr quando não sabemos qual é exatamente o destino. Melhor andar devagar. Podemos até ir passo após passo, bem sem preocupação com qualquer coisa. Olhando tudo o que houver ao redor. Reparando nos detalhes, nos olhares alheios, no modo como dizem qualquer banalidade. Nas moças que são belas, se atendo aos trejeitos dos movimentos, nos braços, nas mãos ao tocar os cabelos, nos cabelos e suas formas a balançar... No balançar de todo o corpo.

Bem devagar. Ouvindo toda a poesia possível, sem qualquer privação. Comendo dos frutos todos, lambendo-os com fúria e paciência. Caminhando, assim, contra o vento, sem lenços, sem carteira, sem mesmo qualquer preocupação desnecessária. Jamais se ocupando demais com o imponderável. Melhor é trazer um "foda-se" sempre nos lábios e uma bosa dose de resignação no fígado.

No entanto, vez ou outras fazemos a besteira de acelerar, mesmo que não saibamos para onde tentamos ir. Assim, fácil, vem o cansaço de pensar demais, de ter otimismo, de manter as costas eretas. Cansaço generalizado, em cada parte do corpo. Nos dedos das mãos, nos olhos, na respiração tardia. Mas sobretudo um cansaço de falar. Andei falando demais, por alguns dias, que me cansei do som da minha voz.

Porque mesmo sendo saboroso, uma hora nos cansa aquele pudim de idéias maravilhosas. E desejamos tão somente aquele velho brócolis da paciência. Do sono e da restauração. Ufa! Enlouquece-me agora a imagem de minha cama, como a deixei, hoje de manhã, e aqueles lençóis, aqueles travesseiros, aquela mulher de pele de Branca de Neve, aquela penumbra, aquele suave calor... Mas veio a estupidez daquele despertador... E não há idéia que me conforte. Mesmo depois de algumas horas, nada me conforta ou descança...

E, aliás, já que falei em Branca de Neve... Uma versão em italiano de I'm wishing. Suave. Muito suave. Nada mais que suave...

quarta-feira, outubro 25, 2006

Enfim, 32.

Alguma consideração?
Não. Nada.
Nem qualquer observação sobre o tempo, sobre o descaminho?
Não.
Alguma sensação? Assim, alguma sensação...?
Nada. O mesmo que sinto todos os dias. A mesma vontade de viver em lençóis macios.
E não há alguma observação... a maturidade, a memória...?
Sinto que agora começo a ver... Não. Nada. Tudo pode ser uma ilusão de quem envelhece.
Mas há algo que o encha de orgulho?
Há.
E prevê alguma perspectiva?
Hum... Nenhum planejamento. Não hoje. Nem agora.
Plano algum?
Há. Nada que salvará a vida alheia. Mas não quero pensar em planos. Nem quero retroceder ao passado. Quero tão somente o frescor do presente. Conquistado a duras penas.
Algum agradecimento? Afinal...
Hum... muitos. Tantos que é melhor nem começar... Agradeceria até aquele vendedor da loja de discos que embrulhou o LP Chega de Saudade, em 1991...
Algum inimigo? Alguma rusga não resolvida.
Não. Nada. Ninguém me traz qualquer ódio ou raiva... Tem aquele moleque que me deu umas bordoadas... Eu tinha uns oito anos... Mas não sei ao certo...
O mataria, hoje, se pudesse?
Não. Quebraria-lhe uns dedos. Só. Mas já deve estar morto, o garoto. Seria verossímil se estivesse...
E quanto aos amores?
O quê?
Os amores... Alguma consideração?
Hum... Fiz o melhor que pude. Não sei ao certo.
32 anos... Percebe alguma mudança?
Física?
Sim. Ou outra...
Um pouco. O estômago. Hoje não engulo qualquer porcaria. Ou engulo e me faz mal. De resto, tudo me parece como há uns cinco anos...
Quer deixar alguma observação? Para os amigos, para quem quiser...
Hum... Não saberia o que dizer. Não agora... Bebam bastante água, talvez.
Pra terminar, há alguma mágoa?
Muito cedo para mágoas... Talvez uma única: tudo isso ainda me parece um labirinto.
Obrigado.
Sim.

Mística.

Houve vilã mais apetitosa que a Mística, em toda a história do cinema? Houve, ó céus, vilã tão azul e erótica? Tudo porque Rebecca Romijn é uma daquelas criaturas que mesmo sob quilos e quilos de maquilagem azul, ainda é bela, misticamente bela.

E vale uma pequena observação erótica: uma mutante que pode ter a aparência que bem desejar... Ah! Como a minha imaginação se revelaria! No entanto, confesso que a aparência azul é mesmo um estouro. Hum... talvez ela ficasse verde, vermelha, púrpura... Ufa! Que poderia ser melhor nesta vida?

Obs.: para algumas fotos de Rebecca, clique aqui.

82

Para um ateu bem humorado, essa coisa de alma é invencionice de gente otimista. Mas também não sou de bater o martelo quanto a tais questões seculares. Nem dou palpite a ninguém. Que cada um siga o seu instinto. Só não me obriguem a ouvir ladainha de evangélico em trem apertado, como noutro dia em que, louco para chegar em casa, me vi num vagão em que dezenas de gordinhas sorridentes e magrelos orgulhosos, com bíblia na mão, entoavam um até afinado canto de louvor. O quanto antes eu deixei o trem partir, enquanto eu aguardava a próxima triste embarcação.

E nem me venham com histórias. Estou farto de explicar o óbvio.

Mas a minha indagação de hoje nem é religiosa. É mais sobre o tal papa-léguas voraz e veloz. Ah! O que fazem todos para encontrar a tal plenitude! É um tal de procurar por deus, pelo amor, pela realização. Tem gente que chega ao disparate de colecionar garrafas, latas, elefantes de mármore, dando a tal coleção uma importância que... É uma eterna procura, das bravas.

Eu, afinal de contas, amanhã chego aos 32 e nem tenho mais o que inventar. Foi aprender a tocar violão, aprender a fazer versos e sei lá mais o quê. Tudo para agarrar o tal animal veloz do deserto... De qualquer maneira, como ateu bem humorado que sou, não creio que além do horizonte exista um lugar, bonito e tranqüilo. Ao meu ver, tudo é só isso mesmo. Esta vida em que colecionamos elefantes de mármore. Ou de gesso.

*

A melhor coisa que fiz na vida foi aprender a tocar violão. Por muitos razoáveis motivos. O principal deles é que muitos foram os amores que nasceram após a execução de alguma bela canção. O último e melhor deles, aquele que tem me alimentado nestes últimos anos, nasceu após uma boa execução que fiz de Olha, canção que Roberto e Erasmo fizeram para que boêmios e trovadores de olhos sinceros cantem para a moça merecedora, naquela suave penumbra. Infalível!

Na 82ª colocação, Roberto, o torturador dos sentimentos alheios e também um parceiro de galanteio, canta um elogio às moças confusas e belas. Ou como bem observaria qualquer homem, "beleza e confusão são itens do mesmo pacote"...

terça-feira, outubro 24, 2006

Papo-cabeça e Papa-léguas.

Todos já viram o desenho abaixo. Viram um coiote e um papa-léguas e se divertiram com as trapalhadas. E por que insistimos em torcer, em vão, pelo coiote? Por que torcer por quem nunca alcança o objeto de desejo? O que há lá, personificado? Em Esperando Godot havia aquela espera por um sujeito que nunca aparecia. Um deus silente e impreciso. Mas como é fácil reconhecer na literatura aquela chave que amplia a leitura!

E nem digo com isso que o propósito do singelo desenho seja esse. Naturalmente que não. Um devaneio apenas. Que explica nossa identificação com a coisa toda.

Vejamos: um personagem esfomeado corre atrás de um diferente personagem, pouco humanizado, com apenas aquela expressão de felicidade triunfante, que eternamente foge. É sempre a velocidade que tudo supera, jamais titubeia, jamais encontra o erro - seja por vaidade, que vive a nos acometer depois de meia dúzia de bons acontecimentos, seja por comodismo. É aquele indecifrável bip bip, que nada diz, mas anuncia o raio, o Mercúrio das estradas desertas. É tão rápido quanto fulgás, uma fração que remete ao pensamento, ao susto, ao piscar de olhos. E não cabe na compreensão de quem vê, de quem o deseja agarrar.

O velho coiote tem a sua obsessão, a sua necessidade que é mais fome que prazer em degustar um alimento tão precioso. Ora! Naquele maldito deserto o que nos aparece? Frangos? Algum prato de sopa? Nada surge. É deserto. Quase como aquela floresta em que um lobo-mau se desespera pelas guloseimas de uma menina de vestido curto e vermelho. No deserto nada além daquele animal veloz, magro, cheio de penas azuis - um animalzinho que é mais alegoria de alimento que propriamente um alimento.

Houvesse o que comer, menos difícil, o coiote ainda o perseguiria feito maluco? Creio que não. Ou a obsessão vem daquela ilusão de que o mais complexo é sempre mais recompensador? Que deslumbramento o Papa-léguas provoca naquele coiote? E o coiote tem tantas vezes a chance de agarrar o que deseja. Mas de repente vem a esquina errada, vem a distração, vem o cálculo errado, vem a precipitação, vem a estupidez, vem a falta de arrojamento ou ambição. Escapa entre os dedos do coiote, tudo aquilo que ele sempre persegue...

E não há, então, algo que o Homem persiga, obsessivamente persiga, mas jamais alcance? Algo que nos escape entre os dedos, sempre e sempre? Não há aquilo que por necessidade busquemos, mas erramos, erramos e erramos, dando com a cara no muro, a todo instante? Somos assim feito o coiote, que até raramente se vê feliz, capturada a presa nalguma caixa. Mas aberta a caixa o que se vê é uma bomba, uma pedra, um bilhete em que se lê "Tolo!".

Ora, sabemos todos o que são as quimeras humanas. Estamos nós todos em busca de uma coisa que se pareça com felicidade, satisfação, paz, mas que é tão somente uma coisa conhecida como Plenitude, um bicho magro e veloz, que passa rapidamente, que a gente não agarra nunca. Que nos alimentaria pouco até, apesar da satisfação que nos desse. Vivemos num deserto, sozinhos, muito sozinhos. Um deserto de coiotes famintos, animais velozes, muito desencontro e muitos planos que nunca saem como a gente quer.

Há algumas léguas.

Pra divertir. Papa-léguas e o Coyote pouco esperto. Aliás, sempre gostei mais do Coyote. Acho até que todo mundo gosta mesmo é do Coyote. Até porque este humilde desenho bem representa uma velha perseguição humana... Dou até um doce pra quem desvendar a boa metáfora...

83

Nem há muito o que se dizer. Esta canção, 83ª colocada entre as cem que mais me comoveram nesta vida, parece mais um sussurro. Um devaneio. Beleza demais para tão pouco ouvido. Steve Lawrence, em 1963, cantou Go Away Little Girl. E dá-lhe lirismo na veia.



Go Away Little Girl

Go away, little girl. Go away, little girl.
I'm not supposed to be alone with you.
I know that your lips are sweet,
But our lips must never meet.
I belong to someone else, and I must be true.

Oh, go away, little girl. Go away, little girl.
It's hurtin' me more each minute that you delay.
When you are near me like this,
You're much too hard to resist.
So, go away, little girl, before I beg you to stay."

Go away.
Please don't stay.
It'll never work out.

When you are near me like this,
You're much too hard to resist.
So, go away, little girl.
Call it a day, little girl.
Oh, please, go away, little girl,
Before I beg you to stay.
Go away.

(Gerry Goffin / Carole King)

Escorpiões.

Ontem, Pelé. Amanhã, Picasso. Dia 26, Ionesco. Dia 27, Graciliano. E até o lendário Bruce Lee. Dia 28, Garrincha. Dia 30, Maradonna e Ezra Pound. Dia 31, Drummond e Dostoievski. Raça boa essa nascida no fim de outubro, o mês dos ventos improváveis. Todos bons escorpianos. Cheios de uma fúria que eu talvez nem tenha. Ou tenha. Sim, eu tenho a fúria. O que não tenho é a malícia. Nunca sei ao certo. Muito do que me diz respeito eu confesso não saber... E nem isso. Sei de algumas coisas. Sou um astrólogo não praticante. E como nos dizia o belo baiano Raul, “eu sou astrólogo e conheço a história do princípio ao fim”. Mas é paradoxo pra lá, paradoxo pra lá. Tanto desassossego e ansiedade...

Eu e meus amigos, aqueles cavaleiros da távola disforme, sabemos bem que um dia a onça beberá da aguardente. Que a revolução sonhada naqueles distantes anos de adolescência, naquelas fantasias despudoradas de poetas mal formados, um dia resultará em alguma coisa. Pois resulta sempre. Nem que seja numa cancerígena frustração... Não. Não há de ser assim. Éramos e somos inocentes demais para sentirmos o peso da vida nas costas. Até já bebi da depressão de quem vive estagnado, mesmo com a cabeça a parir idéias razoáveis. Mas nada como o tempo para nos embalar novamente neste difícil turbilhão. A nos dar a impressão de que logo aquela revolução, sem nome e sem muito sentido, um dia atingirá a todos. Nem sei se me explico bem... Sempre sonhamos com um mundo um pouco diferente... Não o mundo todo, mundo que é gigantesco além da conta, mas aquele mundinho pequeno, pequenino, quase microscópico...

E, neste dia 24 de outubro, quase que posso ver um fio, uma linha da história da minha existência. Vejo os amigos, lunáticos como eu, vejo os amores, belos e atrapalhados, vejo o quanto eu já sonhei e perdi o rumo, o quanto eu já desejei e catei o vento com as duas mãos, o quanto eu já pensei bobagens, tristezas inventadas, o quanto eu precisei de água pra suavizar os incêndios do corpo.

E nem creio que haja idéia mais tranqüilizadora: precisei já de tanta gente, de tantas! E sempre houve quem me acolhesse e dissesse, passando a mão na minha cabeça: “vai, criatura, grite enquanto é tempo!”.

*

Escorpianos como eu, cheios de fúria. De uma fúria que eu conheço muito bem. Que me enlouquece e me faz cantar como se um prego estivesse a rasgar o peito. E é tudo o que eu preciso, transformar a velha fúria em monumento. Um monumento que esteja enfeitado de açúcar, para que o odor desta vida de merda seja menos atordoante.

84.

Um repertório preciso, a voz inacreditável, o carisma e aquela consciência de artista autodestrutivo... E ainda era assim bonitão, apesar do olhar um tanto aborrecido. Mas seja como for, tinha uma voz de homem. Não é como um Prince ou um Bono Vox, com suas vozes de desquitada gripada. Elvis era um cantor regido por Saturno. Macho. E nem se dava ao luxo de cantar ou rebolar só pra promover lambada. Tudo era feito tão somente porque havia algumas garotas a olhar... Hum... você há de me entender,

Entre as suas mais belas canções está She's Not You. E nem sei se estou sendo generoso ao declarar que se trata do mais belo elogio à mulher amada, já ouvido em toda a esfera terrestre. Uma beleza só. "Seu cabelo é macio e seus olhos tão azuis. Ela é tudo o que uma garota deveria ser. Mas ela não é você. Ela sabe como me fazer sorrir quando estou triste. Ela é tudo o que um homem poderia querer. Mas ela não é você". E tudo dito assim, como se estivesse a calar, resignado. Como se, enfim, o homem aceitasse a trágica determinação do destino.

Enfim, conversa de macho, regido por Saturno.

She's Not You

Her hair is soft and her eyes are oh so blue
She's all the things a girl should be,
but she's not you.

She knows just how to make me laugh when I feel blue
She's ev'rything a man could want,
but she's not you.

And when we're dancing
It almost feels the same
I've got to stop myself from
Whisp'ring your name

She even kisses me like you used to do.
And it's just breaking my heart
'cause she's not you.

(Jerry Leiber/Mike Stoller/Doc Pomus)


Crônica Dominical

O berço, o escritório. A chupeta, os cigarros. A suave mamadeira, as doses de uísque. O colo da mãe, o colo da esposa. O chocalho, o violão. As canções de ninar, as canções de amor. Os bonecos coloridos, o Playstation 2. O giz de cera, o computador. O choro sentido, a poesia diária. O talco macio, a loção de barbear. O medo da chuva, o medo da morte. O jipão de madeira, o automóvel. A ladainha dos mais velhos, a filosofia. Quando é que se cresce?

Quando se vê a vida, assim, deste modo, querendo tudo pesar, colocar em equilíbrio, qualquer coisa que se pensa tem correspondência num passado distante. Vê-se que tudo é sempre a mesma coisa, com as transformações sutis naturais ao tempo. Vê-se que é preciso chorar para que alguém perceba a sua fome. Que é preciso chorar, como prova de sua força. E vê até que a infância não teve ainda fim.

Assim, me vêm algumas idéias, alguns presentes que me fariam bem demais nesta comemoração. Coisas que seria bom ganhar - e é certo que nem as ganharei, uma vez que hoje tudo se mimetiza numa camiseta. Mas como seria agradável se alguém me surpreendesse com uma fruta exótica. Há anos não me alimento de nada que seja novo. Ou uma jaca, até. Faz tempo que não a como... E como seria bom ganhar, numa pequena caixa, um CD, desses que se grava em casa, com músicas de algum lugar distante. Tailândia, por exemplo. As canções tradicionais tailandesas. Como seria bom, então, ganhar de um amigo uma ampliação de uma foto de nossos tempos de miséria, na santa boemia. Dos tempos de violão, vinho e pão francês. Ou a representação de toda aquela vadiagem, numa simples bola de bilhar.

Ou um presente que me fizesse rir, tal um velho Saco de Risadas, com cara de palhaço. Sim, eu daria risadas desconexas. Ou um apelo a uma vida mais saudável: uma bola de tênis. Ah! Como seria bom que alguém me desse uma maldita bola de tênis. Talvez assim eu me convencesse a voltar a praticar, estudar tênis. E até, quem sabe, um presente que fosse um gibi do Pato Donald, uns desenhos do Mickey, um filme do Zé Carioca. Ah! Essas reminicências me embriagam.

Mas melhor mesmo, o mais belo presente, o mais saboroso e impressionante, não lhes posso, dizer, companheiro leitor ¹, pois afinal há muito o que se fazer para se recuperar os desejos infantis que a vida transformou em luxúria.

¹ Nota: esse trejeito machadiano de dizer "querido leitor", "amável leitor", já está a me chatear. Daqui pra frente buscarei um outro modo para a boa coloquialidade. Você há de concordar comigo.

85

Há dez anos, o Memorial da América Latina promovia espetáculos ambiciosos. Eram filas intermináveis, mas a qualidade daquela sala de concertos compensava todo os esforços. Entre aquele concreto todo, entre aqueles prédios improváveis, naqueles bancos desconfortáveis, lá estava aquele moleque desajeitado, com um livro de versos nas mãos. Não seria exagero dizer que naquele espaço eu tive as melhores epifanias intelectuais da mocidade.

Há até quem não goste do Memorial, o considere uma alucinação de Niemeyer, um espaço árido, sólido, improvável. Mas eu sempre o considerei o mais belo lugar desta cidade. Naqueles tempos em que sozinho procurava um lugar tranqüilo para ler alguma poesia, ver um filme, ouvir alguma canção... Era melhor que o meu quarto. Melhor que qualquer praça arborizada. Era o lugar da solidão perfeita, sob o sol, sob o nada. Um pedaço ermo de uma cidade que é feito um formigueiro.

E, certa vez, ouvia Escravo da Alegria, nunca antes ouvida; os olhos a macaquear, o prazer de ver no palco um artista tão importante, parceiro de Vinícius tantas vezes, daqueles intérpretes que sorri de orgulho em cada verso, violonista dos melhores do país. Toquinho, em sua penúltima participação nesta lista, em apresentação inspirada, realmente me fez sentir, momentaneamente, aquele êxtase de lirismo e admiração.


Escravo da Alegria

Eu que andava
Nessa escuridão
De repente
Foi me acontecer
Me roubou
O sono e a solidão
Me mostrou
O que eu temia ver
Sem pedir
Licença nem perdão
Veio louca
Pra me enlouquecer
Vou dormir
Querendo despertar
Pra depois
De novo Conviver
Com essa luz
Que veio me habitar
Com esse fogo
Que me faz arder
Me da medo
E vem me encorajar
Fatalmente
Me fará sofrer

Ando escravo da alegria
Hoje em dia
Minha gente isso
Não é normal
Se o amor e fantasia
Eu me encontro
Ultimamente em pleno
Carnaval.

(Miltinho e Toquinho)

A semana que não existiu.

Hoje é sábado, mas para o Blogger, já é terça. Meu blog andou confuso... Mas logo ficará em total equilíbrio... talvez.

E nesta semana que não existiu, apenas um pequeno detalhe cotidiando transformado, por ocasião da eleição presidencial. Alguns amigos que andavam sumidos, categoricamente sumidos, de repente, entupiram a minha caixa de e-mails com mensagens pró-PSDB. Não fosse isso o suficiente para que eu me irritasse, ora bolas, como alguém pode ser pró-PSDB!, sempre havia aquela mensagem grosseira do tipo "a população é ignorante e por isso o presidente se reelegerá". Bem, descartando a euforia de alguns, por essa desengonçada arte política, não creio que a prepotência deva ser desculpada.

Não me creio um ignorante ou muito menos um alienado abduzido. Até, pelo contrário, tenho certa compreensão da retórica adotada por quem deseja o poder, ou deseja manter-se nele, não se importando com o preço a ser pago. E, não obstante o pernicioso golpismo por parte da midia, sempre ajustada aos interesses da elite paulista, voto para a reeleição, sem a menor das dúvidas, até com certo prazer contestador. Até aceito que um governo qualquer erre, mas não aceito que me façam engolir uma mentira.

Essa é a única queixa. Amigos deveriam perguntar "como vai?", de vez em quando. Não ofender (mesmo que bem indiretamente) um escorpiano que já anda de saco cheio de explicar o óbvio. E acima, as duas capas que eu teria feito paras as duas semanas de postagem que foram comprimidas em uma única.

A trama.

A gente nasce. Bem pequeno, nasce. Cresce a muito custo, movido a água, movido a pão de forma. Cresce e aprende uma ou outra coisa. Aprender a ver o que o mundo mostra, aprende a falar, aprende a calar. Começa a crer num monte de bobagens que os mais velhos aprenderam com outros ainda mais velhos. A gente se envolve nesta trama escarrada, neste estranho pegue e pague existencial, sabendo tão somente um milésimo daquilo que seria suficiente – pra entender, ao menos, o que é esta porra de vida.

A gente envelhece tão rápido, tem tanto o que fazer – que afinal a vida é mesmo um exercício de escolha. Temos que escolher, numa prateleira de infinitos andares, uma meia dúzia de itens. E, em tão pouco tempo, não há aquele tempo de apreciação, tempo para ponderar e pesar os valores de cada coisa. Meio como ir à vídeo-locadora, atrasado para algum importante compromisso, e tentar escolher alguns filmes que preencham dignamente um fim de semana. Meio assim: a gente acaba escolhendo o óbvio, o mais falado, aquele filme que todo mundo anda a comentar. Ou escolhe alguma surpresa, meio no susto, alguma obra talvez obscura, talvez ruim, talvez surpreendente. Ou escolhe por algum rosto que nos pareça conhecido ou pela aparente trama que o filme possa ter.

Assim é mesmo essa vida em que nos envolvemos em tramas e escolhemos os filmes que gostaríamos de representar perante uma platéia que pouca atenção nos dá.

A gente cresce, faz aniversário todo ano. E num dado momento acabamos por pensar o que será de nós em dez, vinte, trinta anos. Seremos o quê? Ora, meu irmão leitor, a toda hora estamos a escolher, desesperados, por alguns itens numa prateleira, esperando sempre pelo melhor produto. Escolhendo, com medo às vezes, com asco, com fúria, com paixão ou precipitação. Somos cliente deste estranho pegue e pague existencial, sabendo tão somente um milésimo daquilo que seria suficiente – pra entender, ao menos, o que é esta porra de comércio.

segunda-feira, outubro 23, 2006

The Superstar.

Tenho ouvido quase que obsessivamente a ópera Jesus Christ Superstar, obra de Andrew Lloyd Webber, aquele notório compositor de Phantom of the Opera. Curiosamente, jamais pude ver o filme de 1973. E como ocorrera também com Chicago e Cabaret, outros musicais da Broadway que foram adaptados, tão perfeitamente, para o cinema, conheci muito antes as canções e depois de ouvi-las por meses ou anos eu tive então a boa alegria de verificar o que eram os filmes. Abaixo, uma das mais suaves canções do musical, o qual descreve de maneira sublime o mito de Jesus Cristo, o qual andou se transformando em neurose pelos últimos 2000 anos. Felizmente, aos poucos, as sociedades começam a perceber que aceitar mitos é realmente bom, mas não deve servir de motivo para se jogar moças na fogueira, nem queimar livros, nem se condenar povos inteiros à escravidão e muito menos definir o que cada um pode ou não fazer com o seu corpo. Ouçamos, então, Everything's Alright.

86

Ciao, amáveis e latinos leitores! Seguindo com a lista, conheçamos a 86ª colocada. Ti voglio tanto bene, uma seresta italiana das mais belas, na interpretação límpida de Rossano.


Ti voglio tanto bene

Dimmi che I'amore tuo non muore
E come il sole d'oro, non muore
mai piú

Dimmi che non mi sai ingannare
Il sogno mio d'amore per sempre
sei tu

Oh cara, ti voglio tanto bene
Non ho nessuno al mondo
Piú cara di te

T'amo, sei tu il mio grande amore
La vita del mio cuore
Sei solo tu

Dimmi che I'amore tuo non muore
E come il sole d'oro, non muore
mai piú

Declamado:

"Una stella brilha in mezzo al cielo,
la stella mia sei tu;
sul mio cammino tu m'accompagni
e segui il mio destino"

Cara, ti voglio tanto bene,
Non ho nessuno al mondo
Piú cara di te

T'amo, sei tu il mio grande amore
La vita del mio cuore, sei solo tu

(Curtis e Furnó)

O dia nunca termina.

Neste dia interminável... Ora, a história do tempo novamente! O leitor desavisado pode acreditar que ando já a delirar. Mas hoje é dia 23 de outubro, para os registros do Blogger. Uma confusão dos diabos que creio nem ter mais conserto. E nesta real sexta-feira de uma semana até simpática, uns retratos de Bobby Sue Luther, moça bela de não sei onde. Uns excelentes high scans aqui. E outras fotos, aqui.

Mas se leitor ávido e a leitora de bom gosto não estiverem satisfeitos, vejam as fotos indescritíveis da mais bela loura dos últimos 320 anos, Luize Altenhofen, em sua última Playboy. E caso ainda não seja o bastante, um link para as fotos da primeira revista, há alguns anos! Ufa!



Muita morfina para tão fria sexta-feira.

87

A previsão de que a lista acabaria em 12 de janeiro, naturalmente, já deu com os burros n'água. Mas isso não é coisa que deva nos preocupar. As coisas devem seguir seu bom trajeto, sem atropelos ou ajustes obsessivos. Para um fã, aliás, de Paulinho da Viola, não cai bem tanto zelo com trama tão vulgar. Ou como nos dizia aquele velho poeta, "o que fode o mundo é a deselegância, o desassossego e a desordem". Na 87ª colocação das Cem Canções Que Mais Me Comoveram Nos Últimos Trinta e Dois Anos, o virginiano abusado Paulinho da Viola, com a esmagadora Pecado Capital, a qual bem me lembra de Carlão, o motorista de táxi que encontra uma maleta cheia de duvidosa grana. Quem é mais velho que eu deve bem se lembrar do genial ator Francisco Cuoco a interpretar um dos maiores personagens de nossa história televisiva, uma mistura de Rodion Romanovich Raskolnikov e Julien Sorel. E quem é mais novo, bem deve ter visto uma versão um tanto mais açucarada, cuja interpretação coube ao talentoso Eduardo Moscovis.


Pecado Capital

Dinheiro na mão é vendaval
É vendaval
Na vida de um sonhador
De um sonhador
Quanta gente aí se engana
E cai da cama
Com toda a ilusão que sonhou
E a grandeza se desfaz
Quando a solidão é mais
Alguém já falou

Mas é preciso viver
E viver não é brincadeira não
Quando o jeito é se virar
Cada um trata de si
Irmão desconhece irmão
E aí dinheiro na mão é vendaval
Dinheiro na mão é solução
E solidão.

(Paulinho da Viola)

Antes do Aniversário.

Basta termos uma idéia criativa, que logo nos aparece um rolo. As canções hospedadas do Goear estão ligeiramente emudecidas. Não bastasse toda a dificuldade do universo html, alguns parceiros insistem em complicar a vida blogueira. E no momento não desejo arrumar o que se desarruma sozinho. Talvez amanhã, ou depois. Ou quando esta atrapalhação natural que nos dá antes de qualquer aniversário efetivamente me deixar.

Apocalipse.


O Digital Apocalypse Studio nos mostra o bom trabalho de Chad Michael Ward, um artista de faro para aquilo que é moderno. Em demasia talvez, mas inegavelmente bem ajustado ao bom gosto destes nossos tempos de desassossego.

Mr. Bean parece mesmo um osasquense.

Há até quem não goste de Rowan Atkinson. Bem sei que há. Há quem não veja a menor graça no seu esquisito tipo. E o tenha como um sujeito meio ridículo, de humor vulgar, pueril ou tolo. Há quem assim pense. Se o caro leitor não for um desses odiadores do humorista inglês, aproveite e veja outro bom quadro de Atkinson, cujo humor não me parece nem ingênuo, nem raso, nem descuidado. Muito pelo contrário.

88

Lembro ao desavisado leitor que entenda: hoje é mesmo quarta-feira, apesar da indicação deste blog. Afinal hoje é 23 de outubro, para os registros. E a culpa de toda esta deselegante situação é de um errado ajuste efetuado pela administradora deste blog, faminta por mais milhões e milhões de clientes. Na 88ª posição do ranking das canções que mais me comoveram, Nelson Gonçalves, um gigantes das interpretações musicais, com Pensando em Ti. Seguindo a nova tradição, segue abaixo a bela lírica:


Pensando em ti

Eu amanheço pensando em ti
Eu anoiteço pensando em ti
Eu não te esqueço
É dia e noite pensando em ti
Eu vejo a vida pela luz dos olhos teus
Me deixa ao menos, por favor, pensar em Deus

Nos cigarros que eu fumo
Te vejo nas espirais
Nos livros que eu tento ler
Em cada frase tu estás
Nas orações que eu faço
Eu encontro os olhos teus
Me deixa ao menos, por favor, pensar em Deus

(Herivelto Martins e David Nasser)

Notícia de lá, de longe.

Cada vez mais me espanto com a gente de boa vontade que há no mundo. Vejamos uma pequena nota publicada, hoje, dia 18 de outubro, no caderno Ilustrada, da Folha de São Paulo.

"A cantora Madonna, seu marido, Guy Ritchie, e o bebê adotado pelo casal em Malauí, chegaram ontem a Londres. (...) Grupos de direitos humanos e de proteção à criança prometem contestar a decisão do país africano por ceder a custódia do bebê ao casal com tanta rapidez".

Só pode ser mesmo piada. A Madonna, divindade popular, e seu marido, estranho ator, estão literalmente montados em fortuna que chega a nos causar calafrios, vivendo em mansões das mais limpas e arejadas, com suficiente condição de dar os melhores rumos para a vida de uma criança, seja ela qual for, com escolas sérias e sei lá mais o quê. E não bastasse tanto, a criança terá alguma chance no show business, com a marca Madonna estampada em tudo o que é lugar.

E nem é preciso lembrar ao sabido leitor o que é a África e suas mazelas sem-fim. E alguns grupos de direitos humanos e de proteção à criança ainda desejam reclamar! Ou eu estou mesmo torto de tanto uísque barato ou há gente de boa vontade que já perdeu o senso há muito tempo.

Como diria um velho amigo, torcendo os lábios, "logo a Madonna! logo a Madonna!".

E o mundo não se acabou.

Uma sensação das mais inusitadas. Descendo da estação, ouvindo em meu mp3 o energizador disco Scary Monsters, de David Bowie, em volume impiedosamente alto, que não me permitia ouvir a algazarrada rua. Eram tanto os transeuntes, tantas as cores, as quinquilharias vendidas, as inutilidades que os mascates insistem em vender. Era um desesperado passar de gente apressada, sem ordem alguma no andar. Era um cheiro que não chegava a repugnar, mistura de tantas outras pipocas, ou milho ou carne e sei lá mais o quê. Um cheiro que dizia mesmo daquele turbilhão sem beleza. Não havia, aliás, beleza alguma. Cores apenas, belas por si só. Vermelho, amarelo, azul, amarelo, vermelho, em cada pequeno objeto. Os ambulantes a gritar. Não havia aquela beleza que insisto procurar.

David Bowie gritava e comovia, naquele instante. Nem sei ao certo se ouvia Scream Like a Baby ou Kingdom Come. A canção, seja ela qual for, era a perfeita trilha para a cena que de repente surgia. Uma sensação de que o mundo literalmente acabaria. Coisa de apocalipse pressentida, meio epifania de Jeremias, o profeta desacreditado, condenado por sua gente que o considerou agourento. Era mesmo o chão que de repente se tornava macio feito um colchão ortopédico.

Eu passava, tentando pisar no ritmo que a canção tem, quatro por quatro, três por quatro, dois por dois, e era o mundo naquele instante um real moribundo. No segundo seguinte acabariam a vida, o movimento e os mascates e suas tranqueiras coloridas. Era bem certo, eu previa. E em verdade, um vício de cinema, que sempre antes, segundos antes, de qualquer tragédia, transforma tudo num slow motion patético.

Logo no quarteirão seguinte, Elza Soares começa a balançar samba, cantando "crioula, crioula, criola para o mulato, criola". Assim, num instante, o mundo deixou de acabar, amigo leitor.

E nesta outra rua havia apenas uma palidez de pôr-do-sol. Sem aquela profusão de cores caóticas de um velho caleidoscópio.

89

Mais uma aparição de Toquinho, nesta longa lista. Aqui, vem acompanhado de Maria Medalha, na belíssima Mais um Adeus. E pra variar, segue abaixo a letra desta primorosa canção.

Mais um adeus

Mais um adeus
Uma separação
Outra vez, solidão
Outra vez, sofrimento
Mais um adeus
Que não pode esperar

O amor é uma agonia
Vem de noite, vai de dia
É uma alegria
E de repente
Uma vontade de chorar

Contraponto

Olha, benzinho, cuidado
Com o seu resfriado
Não pegue sereno
Não tome gelado
O gim é um veneno
Cuidado, benzinho
Não beba demais
Se guarde para mim
A ausência é um sofrimento
E se tiver um momento
Me escreva um carinho
E mande o dinheiro
Pro apartamento
Porque o vencimento
Não é como eu:
Não pode esperar

O amor é uma agonia
Vem de noite, vai de dia
É uma alegria
E de repente
Uma vontade de chorar

(Vinicius de Moraes e Toquinho)

domingo, outubro 22, 2006

O futuro.

Esta semana que nem existirá para a breve história deste encarnado blog. Um dia 17 de outubro que não terá registro algum. Hoje que é então 23, sete dias antes, por culpa da divina providência bloggeriana. Mas o amigo leitor já sabe disso. Apenas eu não me conformo com tamanha afronta. A gente está lá, no colo da inocência, a escrever um pouquinho, as tristezas e delícias dessa pesada caminhada, sem nada mais querer - e vem a Roda-Viva e carrega o pobre blog pra lá, levando com ele toda a lógica que a gente lutou pra desvendar.

Mas hoje é dia 23. Ou 17. Tanto faz, se nada houver daqui até a próxima segunda. Se apenas o Tédio, essa besta-fera que nos toma os olhos, estiver a nos bolinar. Mas pode bem ser que a sexta ou o sábado nos reserve alguma aventura que vem somente quando a gente pensa que nada mais restará a fazer, dizer, sorrir. Enfim, caro leitor, não sei. Apesar de todas as traquinices humanas, o futuro ainda é amante do imponderável. Uma infinidade de coisas bem pode nos acontecer até lá.

Um cofre pode cair em nossas cabeças, como nos desenhos do Patolino. Ou podemos ser assassinados por algum novo maníaco, quando estivermos a caminhar pelo shopping. Podemos até ser em sete dias aquele novo milionário, por desmedida sorte com a loteria. E podemos, quiçá, ter daquelas noites de sexo e perdição bacante que nos embriaga por meses.

O que mais me conforta é que o futuro não nasce depois. Nasce antes. Agora mesmo posso, mesmo que eu pouco tenha consciência, estar a construir o próximo dia 23, que não é hoje, apesar dos registros.

Pra comemorar a atrapalhação.

Nesta semana que começou dia 9 de outubro e irá até o dia 27, por problemas técnicos inexplicáveis que eventualmente poderão ser resolvidos, ou não, nada como comemorar e se acalmar com David Bowie e Starman.

Problemas técnicos - A semana que não houve

Por algum motivo não sabido, estou enfrentando problemas técnicos com esta operadora de blog, que começa a me parecer desconcertada. Não estou conseguindo escrever qualquer coisa que fique entre os dias 15 e 21 de outubro. Isso tudo porque fiz a besteira de acreditar que a versão beta seria melhor...E o problema é: que faço eu?

Para evitar que algumas boas postagens se perdessem, até que tudo se regularize, toda a semana passada estará inserida no domingo dia 22 de outubro.

E como eu não sou de ficar reclamando do imponderável, HOJE deixará de ser dia 16 e será dia 23! Eureka! Vou postar esta semana, como se já estivéssemos lá, ou melhor esclarecendo, porque mesmo eu não entendi: vou postar devagar e sempre, sem atropelos, até que no dia 26 de outubro estejamos mesmo no dia 26 de outubro...

Hum... Creio que ninguém me entendeu. Mas nem mesmo eu. Sigamos com a vida, que tudo está bem certo.

Obs.: se consertarem os problemas, tomo outra resolução.

90

Ocupando a 90ª colocação, entre as canções que eu mais aprecio, MPB4 e a inventiva Amigo é pra essas coisas. Abaixo, segue a letra da canção, para que todos cantem, animados ou não.


Amigo é pra essas coisas

Salve, como é que vai...
Amigo a quanto tempo...
Um ano ou mais.....
Posso sentar um pouco?
Faça o favor.
A vida é um dilema...
Nem sempre vale a pena...
Ah...
O que é que há?
Rosa acabou comigo.
Meu Deus, porquê?
Nem Deus sabe o motivo.
Deus é bom!
Mas não foi bom pra mim...
Todo amor um dia chega ao fim

Triste!
É sempre assim...
Eu desejava um trago...
Garçon, mais dois!
Nem sei como eu lhe pago...
Se vê depois...
Estou desempregado.
Você está mais velho...
É!
Vida ruim...
Você está bem disposto.
Também sofri.
Mas não se vê no rosto.
Pode ser...
Você foi mais feliz...
Dei mais sorte com a Beatriz!

Pois é...
Tudo bem...
Pra frente é que se anda.
Você se lembra dela?
Não.
Lhe apresentei...
Minha memória é fogo...
E o l'argent?
Defendo algum no jogo.
E amanhã?
Que bom se eu morresse!
Pra que rapaz?
Talvez Rosa sofresse...
Vá atrás...
Na morte a gente esquece!
Mas no amor a gente fica em paz.

Adeus.
Toma mais um...
Já amolei bastante.
De jeito algum...
Muito obrigado amigo.
Não tem de que.
Por você ter me ouvido.
Amigo é pra essas coisas...
É.
Toma um Cabral.
Tua amizade basta.
Pode faltar.
O apreço não tem preço.
Eu vivo ao Deus-dará!

(Sílvio da Silva Junior e Aldir Blanc)

Crônica Dominical

Envelhecer não é mesmo a melhor coisa desta vida. Mas ao menos vão se acumulando histórias, nossas e alheias. Anedotas de tudo o que é tipo. Algumas, aliás, engraçadas além do possível. A qualquer hora seria bom tudo pesar, colocar em imaginária balança, ter algum juízo do que tem sido esta vida. Alguém mais tem feito disso ultimamente? Algum dos meus tão bem educados leitores tem se dado ao luxo de ponderar sobre o passado? Sabemos bem como é a memória. Nunca nos dá de uma vez toda aquelas imagens desbotadas num mesmo instante. Nos poupa de muito desgosto e nos dá a chance de ignorar alguns resultados. Alguém saberia nos dizer, por favor, quantas vezes teve medo? Sim, caro leitor, aquele medo que nos faz perder a firmeza das pernas e traz suor à testa. Quantas vezes, então, sentiu a morte bem perto, como naquele quase atropelamento assustado? Ou como naquela febre que trouxe delírios e sede. Quantas vezes a dor? A dor de chutar o pé da cama, a dor de um ouvido estourado, de um estômago doido, revirado, que dói mesmo é na alma, se alma houver. E aquela torção no joelho? E dente que vai maltratando a cabeça toda, as mãos e os pés. Quantas vezes?

Como eu gostaria de me lembrar de quantas vezes eu copiosamente chorei, pedi arrego, implorei de pé junto, fui ridiculamente um fraco. Quantas vezes eu fui covarde? Ó, como saber! A memória até nos traz um pouco do que houve, mas jamais nos faz inventário. E seus filtros de pesquisa são inferiores aos que encontramos no Google. Seria bom saber, se 17 ou 36 ou 834, quantas foram as ratas, aquelas palavras erradas a estragar uma noite que bem seria de prazer e foi de frustração. Quantas foram, exatamente, em gráficos e percentagem, as vezes em que fiz algo que sabia ser errado, mas fiz, por falta de juízo ou de vergonha. Ou quantas e quantas foram as vezes em que fui esnobe, calhorda ou esperto. Hum! Eu queria mesmo todos estes números - um relatório de atividades completo, que seria inclusive comparado aos dados da planilha alheia.

Quantas vezes cada um foi herói, nobre, tendo feito a alguém alguma certa caridade? Quantas vezes nos esfregamos a quem achavamos de uma feiúra ímpar, apenas por um aproveitar da ocasião? E quantas vezes cada um de nós bateu no peito com orgulho, se dizendo filho-da-sorte, sorrindo e agradecendo aos deuses? Ora, já me bastaria saber quantos foram os pedaços de torta que eu derrubei no chão e quantas as mulheres eu não tive a chance de beijar, por pavor ou burrice. Sabe aquele gol feito, sem goleiro e zagueiro, só a bola a nos acompanhar, que a gente perde por chutar por demais confiante ou por churar sem confiança alguma? Claro que sabe. Todos nós já perdemos certas horas de glória... Deixamos escapar por entre os vãos da mão boba.