sexta-feira, março 08, 2024
Crítica virtual
O que é realismo?

Desde 2005, tenho certo peso na consciência. Pompeia argumentava que o "escritor tinha o dever de punir os seus vilões, ou se tornaria um deles, por cumplicidade ou covardia". Raul Pompeia, autor do romance "O Ateneu", teria dito essa frase em uma carta ao seu amigo e crítico literário José Veríssimo, em 1888. Nessa carta, Pompeia defendia a sua obra, que havia sido criticada por alguns leitores por ter um final trágico e violento. A punição do crime do marido de Lane seria obrigatório numa literatura justa. Ou talvez seja coisa moralista e pessimista de Pompeia sobre como as coisas funcionam.
Nem é assim que os humanos são? De como as necessidades pessoais sobrepujavam a tudo. E era assim que o realismo me parecia: olhar como as coisas são, sem hipocrisia. À época, me lembro de ter perguntado a alguns o que fariam nesta situação. Ninguém soube me dizer qualquer coisa muito diferente. A situação é um tanto absurda, difícil construir na imaginação. Duas décadas depois, eu percebo que o realismo daqueles anos é o enorme pessimismo de hoje.
E nisso, aposto que a peça soe — hoje — mais absurda que realista, por eu não ter tido a sensibilidade de vingar o crime. Por todos os personagens serem egoístas nesta São Paulo, esta cidade que confunde a todos.
Gérri Rodrian, 2024
Dia Internacional da Mulher, outra reflexão
Que minha filha, tão doce e leve, tenha a sorte ou a sabedoria para escolher bem a quem amar. Ela, uma doce e inocente flor de doze anos, ainda não está no jogo complexo das relações emocionais. Vê de fora e tenta — como todo Homo Sapiens — encontrar lógica, padrão e regras onde tudo é caos.
Eu — como atencioso pai e quando for a hora — não podendo escolher eu mesmo, darei conselhos, contarei casos, direi sempre que há sinais que não poderiam ser ignorados. Nem digo para detectar os misóginos, machistas, racistas, facistas, narcisistas, supremacistas e toda sorte de tralha que temos tanto por aí, que isso ela já vê de longe com seus grandes olhos azuis.
Não é difícil detectar imbecis. Isso é fato. Só que a humanidade se revela nas sutilezas.
Tem os "Othelo". General, todo prosa. Dá ordem e exala liderança. Poxa, protetor e gentil. Apaixonado e devoto como ninguém. Mas o General é um ciumento dos diabos, que vai sair dando sopapo quando um vilão Iago lhe insulfar maldades nos ouvidos de paranóico.
Tem os tais "Dr. Bovary". Médico, dócil, amistoso e silente, trabalhador honesto, mas na pilha-fraca de não saber estimular a situação que nem se apresenta. De não ter interesse nos conformes e ajustes, de nunca ir além nos carinhos. E disso, as consequências danosas, as infidelidades.
Tem os "Leônidas". Todo calor e atenção. Etc. Mas é toda semana uma guerra diferente que o sujeito vai disputar. Chutar cabeça, quebrar costela e estátua. Vivem na ausênsia de uma guerra que sempre se apresenta. Parecem um tanto os raros "Euclides" que ainda existem, por aí. Num outro tipo de guerra, que vai dentro de sua cabeça. Rapaziada que se mete a ter missão de vida e ocupação e obessessão. E, manhã e noites ausentes, porque o pobre marido se crê o Shakespeare osasquense.
E tem os azarados, tem os babacas, os cambalacheiros, os dogmáticos e os desonestos, os egoístas e embusteiros, os fanáticos e fofoqueiros, os gaiatos e hipócritas, os iludidos e todo o abecedário a se evitar.
Como há pra mais de sete bilhões de humanos, há de haver alguém que ela mereça ter ao lado — se isso lhe interessar. Que ela entenda que não é muita gente, visto que o comum é ser imperfeito, em construção. E o segredo é só este, talvez: há quem esteja em construção. Há quem já esteja estragado.