sábado, janeiro 20, 2007

Um buraco novo no queijo mofado.


Alguém ainda se surpreende com as erupções que eventualmente ocorrem neste país? Algo do tipo " até isso tem nos acontecido?!", com olhos de espanto pra todo lado? Alguém ainda se vê decepcionado com este Brasil americano do sul? Ora, o meu espanto é que ainda haja alguma coisa de pé! Tudo o que é feito por aqui é mal feito, mal trajado e mal cagado. Lojas, templos, estações, estádios e teatros: tudo cai por aqui, desaba, tudo vai ao fundo. No Congresso, eleições e todos se divertem. Nem as eleições para o grêmio da escola eram tão bizarras. E olha que naqueles tempos de CENEART alguns prometiam até show do Ira! para os tolos alunos. Tudo por estas bandas vai por terra, cai em abismos de estupidez e ganância.

E se alguém se espanta com a minha presente reclamação, apresento o que li na última quinta-feira:

"Folha de São Paulo, Informática: 18/01/2007 - 10h21
Brasil é lugar mais caro do mundo para se comprar um iPod

O Brasil é o lugar mais caro do mundo para se comprar um iPod Nano. A informação vem de uma pesquisa realizada pelo Commonwealth Bank --um dos maiores da Austrália. A instituição usou como parâmetro o modelo Nano e comparou moedas mundiais e o poder de compra em 26 países.

A pesquisa do banco australiano avalia os preços do iPod Nano de 2 gigabytes em dólares americanos. Ter do player de música digital da Apple custa em média US$ 327,71 por aqui (cerca de R$ 720).

O Canadá é o país onde se compra um iPod Nano com maior facilidade financeira. Custa US$ 144,20. É mais barato, inclusive, do que na China (US$ 179,84), onde o aparelho é fabricado.

Os resultados podem ser influenciados por diferentes políticas de preços que a Apple pode aplicar em partes distintas do mundo. Mais de 21 milhões de iPods foram vendidos no último trimestre.

Em dólares, a lista avalia o custo médio do iPod Nano de 2GB em diversos países do mundo. Os preços são baseados em janeiro deste ano e o índice foi feito pela CommSec iPod.

Confira:

- Brasil (US$ 327,71)
- Índia (US$ 222,27)
- Suécia (US$ 213,03)
- Dinamarca (US$ 208,25)
- Bélgica (US$ 205,81)
- França (US$ 205,80)
- Finlândia (US$ 205,80)
- Irlanda (US$ 205,79)
- Reino Unido (US$ 195,04)
- Áustria (US$ 192,86)
- Holanda (US$ 192,86)
- Espanha (US$ 192,86)
- Itália (US$ 192,86)
- Alemanha (US$ 192,46)
- China (US$ 179,84)
- Coréia do Sul (US$ 176,17)
- Suíça (US$ 175,59)
- Nova Zelândia (US$ 172,53)
- Austrália (US$ 172,36)
- Taiwan (US$ 164,88)
- Cingapura (US$ 161,25)
- México (US$ 154,46)
- EUA (US$ 149,00)
- Japão (US$ 147,63)
- Hong Kong (US$ 147,35)
- Canadá (US$ 144,20)

(Com informações da agência Reuters)."

É ou não é este país um verdadeiro cu? Até quando a gente vai sustentar o mingau de tantos países abonados? Ou, melhor observando, até quando nós nos permitiremos isto? Deveríamos declarar guerra aos norte-americanos e lutar jogando-lhes todas as nossas bananas.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

40

Alguns devem se perguntar como pude conquistar uma mulher tão bela, justamente quando andava até meio decadente, numa fase brava de amargores diversos. Ora, meus caros, há bem certo um punhado de talentos que quando bem utilizados ativam no suave coração alheio uma paixão das mais irresistíveis. Há quase três anos, quando já devoto feito um trovador à bela musa, precisava eu me utilizar de alguma arma de Cupido, não me permitindo erros e tolices, atirar-lhe uma flecha aguda. Estava eu dedicado inteiramente à conquistar-lhe o peito, o amor e os favores, obcecado estava eu, domado, danadamente hipnotizado por seus olhos...

Mas eu sou malandro velho, sabedor destas tretas todas, destes perigos que a gente insiste em buscar. E mesmo assim confuso, bobo, tive naquela noite lúcida os dedos, o violão e a voz. Cantei-lhe, a meu modo de cantar tristonho, Minha Namorada - canção eterna de meu repertório, a qual cantava sem jamais saber que um dia ela me seria porta-voz e boa flecha do moleque de Vênus. Acertei-lhe em cheio, é bem verdade. E me senti repetidas vezes ufano de mim, inflado até os dentes. Meu canto soou bem e ela me sorriu.

Assim sendo, a canção que mais me faz lembrar da moça que afinal nem canta lá muito bem, mas é tão cheia de encantos que faria a mãe de Cupido corar de inveja, vem na voz de um de seus compositores, Carlos Lyra. A quem, naturalmente, agradeço pelo empréstimo de seu maravilhoso galanteio.



Minha Namorada

Se você quer ser minha namorada
Ah, que linda namorada
Você poderia ser
Se quiser ser somente minha
Exatamente essa coisinha, essa coisa toda minha
Que ninguém mais pode ser...
Você tem que me fazer um juramento
De só ter um pensamento
Ser só minha até morrer...
E também de não perder esse jeitinho
De falar devagarinho
Essas histórias de você
E de repente me fazer muito carinho
E chorar bem de mansinho
Sem ninguém saber porque...
E se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada, mas amada pra valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer
Você tem que vir comigo em meu caminho
E talvez o meu caminho
Seja triste pra você...
Os seus olhos tem que ser só dos meus olhos
Os seus braços o meu ninho no silêncio de depois
E você tem que ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois.

(Carlos Lyra e Vinícius de Moraes)

Os homens da antiga cidade.

Para encerrar o papo, nesta assustadoramente veloz semana, a arte do mais inventivo cineasta italiano - e para quem eu ajoelho e rezo - Federico Fellini. Algumas cenas do incrível Satyricon, de 1969.



Escolhas alheias.

Encerremos as escolhas musicais que o bom amigo Hélio Martins nos ofereceu durante esta semana com o clássico Like a rolling stone, naquela que é também a versão que mais me agrada: a dos incansáveis Rolling Stones, anunciada em 1995. Curiosamente, se me permitem a rápida digressão, nada nada já se passaram 12 anos! Que merda eu fiz neste intervalo de tempo em que foi possível tanta gente nascer e já estar a pensar em sacanagem pueril! E 12 anos seria tempo suficiente para que uma canção como esta tivesse alguma ruga, alguma franja desbotada, algum sinal qualquer de envelhecimento? Ora, envelheci eu. E Mick Jagger e Keith Richards, os quais hoje são a própria representação de como um junkie pode bem envelhecer com saúde e dignidade. Mesmo que nos pareçam assombrações, ainda estão lá, a beber cerveja e pular no palco feito lagartas assanhadas.

Mary Jane is really cool.


Kirsten Dunst é uma boa moça. Sempre nos aparece em personagens extremamente simpáticos - tal e qual a moça espevitada de Brilho eterno de uma mente sem lembrança. E nem se pode negar que se trate de uma razoável atriz - embora tão somente agora ela tenha um papel (Marie Antoinette) em que poderá nos mostrar o quanto sabe atuar, além de sorrir tão belamente. Mas a sua história estará sempre relacionada à interpretação da mais bela criação feminina do universo Marvel. E mesmo que afinal não seja a Mary Jane Watson que os especialistas um dia sonharam - sobretudo porque não levou à tela a malandragem que a personagem nos quadrinhos esbanjava, não poderíamos também negar que não causa danos maiores à mitologia da moça ruiva.



Aliás, o que poderíamos nos negar neste mundo de constantes negações? Kirsten Dunst tem justamente um olhar de moça que nada nos negaria, fôssemos nós um pouco Peter Parker. (Não sei se me explico bem. Mas a sensação que trago em mim é que a jovem sabe muito bem o que é ser Mary Jane. E disso não faz troça).

Obs.: para galerias de Kirsten Dunst, aqui, aqui e em seu bom sítio oficial.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

41


Ai meu judiado peito... Quem me vê sempre já mesmo deve saber. Sou um sujeito de chorar fácil, envergonhado até os ossos, levando em consideração os velhos axiomas do homem valente. Conan, bárbaro e calado, segurou o choro mesmo quando viu seus pais mortos, trucidados pelo bando de Thulsa Doom. Calou no peito, pensando que era certo um grande guerreiro não se permitir o pranto. Eu, que de Conan nem tenho os dentes, vivo a me emocionar com músicas e versos, a ponto de ter os olhos molhados. Eu respiro um tanto e me esquivo de uma certa demonstração de fragilidade... mesmo que bem claramente eu saiba que não se trata de nada disso. Tal comoção não tem nada de frágil e ainda menos é um sinal de que já ando pelas tabelas...

E uma daquelas que me deixa bem meio triste é a 41ª colocada entre as cem que listei. Sleep Walk, de Santo & Johnny, clássico manjado dos Anos 50.

Esolhas alheias.

Meu camarada de repartição, Hélio, nos indica agora dois vídeos de uma das bandas mais divertidas dos anos 90, Guns 'n' Roses. E, em verdade, uma das últimas a ter alguma personalidade, mesmo que carregasse em si, em verdade, o retalho de dezenas de outras bandas tão coloridas quanto. Minha percepção é bastante óbvia: os anos 90 foram uma espécie de retrospectiva natural do que houvera antes. Não é de se estranhar que Nirvana fosse a mistura linear de Joy Division e Sex Pistols. Ou quase um arquétipo. Como fora também Guns 'n' Roses, cujo vocalista era um modelo exato de sujeito histriônico e arrogante. Enquanto, recordemos, Kurt Cobain nos trazia a mesma decadência e desapego de tanto outros: Ian Curtis e Sid Vicious são bons exemplos da tal máscara. E bem pouco adaptados às dificuldades desta vida de merda, os quais bem logo se mataram.

Mas, não obstante à sem gracice daquela década, ambas as bandas citadas deixaram uns bons clássicos que até justificam e representam um tempo em que havia o terrível medo de que a Aids atingesse a todos; que houvesse enfim a terceira guerra mundial - sobretudo quando a televisão nos mostrava ao vivo o bombardeio no Iraque - e a política brasileira finalmente abria as pernas e mostrava grosseiramente a vagina da corrupção, enlameada da mais maravilhosa (e brasileira) cara-de-pau. E que , pelo que nos consta, desde então jamais fechou as velhas pernas, nesta divertida e fantástica utopia que é a democracia entre os imbecis.



Acima, The garden e a ainda esfuziante Welcome to the Jungle. E aproveito o ensejo para dedicar estes vídeos ao meu velho amigo André Luís Correa, um sujeito que chegou a brigar com os amigos por termos bobamente escondido seus discos do Guns 'n' Roses embaixo da cama e atrás do guarda-roupa. Mas como nos diz o bom ditado, "cada rei escolhe o seu tesouro". Um abraço, meu camarada. E que nos esbarremos a qualquer hora, em alguma rua de nossa desencontrada cidade.

Nova apologia.



Não gostaria de me repetir, elogiando o já elogiado. Mas pudera, meu bom leitor, o que me ocorrera ainda esta manhã, quando John Lennon cantou, tão somente para os meus ouvidos, naquele trem velho e pleno de trabalhadores desanimados e sonolentos, a bela e rasgada Be my baby, por obra de um pequeno e simples iPod. Sei que é quase dizer o óbvio, mas tamanha era a minha alegria de escutador que eu não poderia, tendo este meu blog, calar tão evidente sensação. John Lennon cantava Be my baby. Velhos e mascates talvez notassem o quanto eu levava no rosto um contentamento de quem tem aos ouvidos uma canção que me parece perfeita. Todos apenas ouviam as petições de cegos e mendigos e o barulho cada vez mais sujo do metropolitano. Assim, repetindo-me, faço nova reverência aos homens que estabeleceram o walkman, o iPod, o torrent e, sobretudo, uma boa reverência ao bom amigo Lennon.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Rei Lear e os torrents.


Acabo de ler a primeira das muitas peças de Shakespeare, conforme boa promessa feita há alguns dias de ler e em alguns casos reler toda a obra do dramaturgo inglês. Rei Lear era daquelas que eu jamais lera, nem sei ao certo o porquê, mas que eu, talvez por instinto, bem sabia se tratar de algo admirável. E certamente o é. Lear é um personagem fascinante, altivo e estúpido. Curiosamente, tendo já lido o primeiro ato de Ricardo II, noto que a fraqueza de antigos monarcas bem agradava ao gênio de Shakespeare, servindo-lhe de metáforas que extrapolaram os terrenos bretões.


Sempre soube dos torrents. Mas jamais me acostumara aos seu sistema - até cerca de dez dias atrás, quando aquele meu velho amigo dos deselogios insistiu para que eu utilizasse a troca de arquivos por torrents. E o saldo foi extramente positivo desde então. As discografias de Hendrix, João Gilberto, Stevie Wonder, Tina Turner, The Police, ABBA e Chemical Brothers. Um clássico da bela e estranha Cicciolina, Roman Empress, além do intrigante Dream Quest, porno de elegância medieval. Um Chaplin, com o imortal Tempos Modernos; duas caixas especiais de Elis e John Lennon; a primeira parte de uma extensa coleção de desenhos Looney Tunes.

E tudo tão somente em uma única e rápida semana. Já seria o suficiente, sejamos honestos, mas o melhor ainda estava por vir. Tenho agora comigo a final da Copa do Mundo de 1958, em que Pelé, Vavá e Garrincha ganharam o primeiro título brasileiro. Desde o sorteio, no meio de campo, até o fim do jogo. Tudo. E não bastasse o meu êxtase, ainda encontrei todas as finais de copa do mundo, todos os jogos que o Brasil fez em 1970 e 1994, além de diversos clássicos do futebol mundial, tal qual as finais de muitos campeonatos europeus.

Não sou besta de condenar a pirataria que temos pela rede. Sobretudo quando encontramos o "nunca encontrado", o que me parecia tão somente um distante sonho de gente muito mais velha que eu.

terça-feira, janeiro 16, 2007

Escolhas alheias.

Seguindo com as escolhas alheias da semana, o mestre Bob Marley e a belíssima Redemption Song. E vale para Bob Marley o que se diz de Raul Seixas, por exemplo. Conforme aumenta a distância do tempo, menos se vê aquela classificação ou estigma que cada um deles carrega, quase feito um totem religioso. Para uma real percepção de sua música, sem que nos influenciemos por preceitos ou associações descabidas, melhor pouco saber sobre o que pensava o povo e a crítica dos tempos em que Marley e Raul estavam a produzir. Talvez entendamos a coisa se nos lembrarmos de Bach. Se foi padre, ateu ou lunático, pouco nos importa para a apreciação de sua obra. Ou seja, resumindo a questão num pequeno paradoxo: apreciação é uma coisa. Compreensão é outra bem diferente, a qual depende mesmo muito mais do que apenas cerrar os olhos e ouvir.

42

Ocupando o 42º lugar entre as cem canções que mais me comoveram nesta vida atrapalhada, Nervos de aço, clássico inesquecível de Lupicínio Rodrigues, na voz do elegante e sempre exato Paulinho da Viola.



Nervos de Aço

Você sabe o que é ter um amor, meu senhor
Ter loucura por uma mulher
E depois encontrar esse amor, meu senhor
Nos braços de um outro qualquer

Você sabe o que é ter um amor, meu senhor
E por ele quase morrer
E depois encontrá-lo em um braço
Que nem um pedaço do seu pode ser

Há pessoas de nervos de aço
Sem sangue nas veias e sem coração
Mas não sei se passando o que eu passo
Talvez não lhes venha qualquer reação

Eu não sei se o que trago no peito
É ciúme, despeito, amizade ou horror
Eu só sei é que quando a vejo
Me dá um desejo de morte ou de dor.

(Lupicínio Rodrigues)

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Escolhas alheias.

As Escolhas Alheias da semana contam agora com a participação de um bom companheiro de tragicidades, tédio e observações pertinentes, Hélio Martins - outro a sobreviver naquela repartição sem vento na Rua Líbero Badaró. Somos dois sujeitos cercados de bom-humor, mesmo nos momentos em que o ar rarefeito daquela longa sala acaba por nos deixar a ponto de perder o senso. Ou a vida. Como ele mesmo nos observaria, ser funcionário público já é um tanto deprimente, sem prestígio e sem desafios - e sem um humor escrachado que se permita escárnios a tudo o que nos aparecer pela frente, a tal jornada diária que nos sustenta os luxos seria insuportável. E o sujeito, Hélio Martins, além de publicitário que já andou pelos quatro cantos do mundo, é um roteirista de cinema que ainda escreverá a história definitiva dos absurdos todos. Nossa ocupação profissional é até mesmo cretina, mas nos oferta uma dose muito boa de cinismo. Diariamente.

Pra começar, uma dose tripla de The Doors. Ride in the storm, LA Woman e The End.



Gray e a inveja ocasional.


Para um dia de muita preguiça e certa saudade da infância, quando passávamos a tarde a brincar de rabiscar cadernos e comer bolinho de chuva, observemos atentamente a apaixonante obra de Gray Scott, fotógrafo inglês de olhar límpido e irritantemente belo. É o típico trabalho que nos faz sentir uma profunda tristeza por termos escolhidos nossas profissões... Ó grande mundo! Por que cargas d'água acabei me transformando num neurótico funcionário público?


Mas também se meter a reclamar do que se tem é uma grande patifaria. Mesmo porque não é qualquer sujeito que tem um uma câmera tão exata e tão suave, transformando qualquer bela modelo num anjo dos mais pertubadores. Como nos diria o velho dramaturgo, "cada macaco suba ao galho que lhe parecer melhor". E que cada louco prossiga com a sua particular mania.

Não tenho um Drummond que me aconselhe.

Difícil ser funcionário

Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.

Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.

É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.

Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.

Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.

E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.

Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança

Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar...
Fazer seu nojo meu...

Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.

(João Cabral de Melo Neto)

domingo, janeiro 14, 2007

Crônica Dominical

Estou cansado. Por demais cansado. Cansado de pensar atabalhoadamente, feito um bêbado crônico. E nestas horas me pego desejando a fuga, a vida bucólica de algum eremita. Penso em como seria bom ser milionário. Não para que me enchesse de grandes presentes. Mas para que eu tivesse a tranqüilidade quase funestra de jamais me ver cercado de confusão. Mas é tolice nossa acreditar que tanta grana poderia nos trazer alguma paz. Ou traria? Um eremita milionário seria possível? Não sei ao certo. Estou cansado. A cada segundo um novo tipo de questão me aparece. E todas, invariavelmente, são por mim geradas, numa busca veloz por algo que me distraia a mente sempre atônita.

Eu, que tenho vivido no limite do esgotamento mental chego a me preocupar com a minha velhice, quando o corpo cansado talvez não suporte um cérebro desde sempre hiperativo. Como será não pensar em nada? Como será descansar a cabeça num travesseiro qualquer, sem que eu me veja tomado por qualquer idéia ou devaneio. Como será ter a mente quieta?

Vivo em São Paulo. Cidade cada vez mais desagradável. Vivo no Brasil, um país de cultura cada vez mais pobre. Leio os jornais diariamente. Diariamente tenho centenas de sítios pra visitar - e downloads para baixar, os quais parecem resolver os problemas do mundo. Todos os dias, filmes e jogos imperdíveis nos canais por assinatura. Todos os dias, alguma opinião que eu preciso formular, alguma crítica, alguma observação que, calada, permanecerá ocupando espaço no pouco espaço que há em minha HD mental.

Tudo o que me bastaria, hoje, e há algum tempo, seria pegar minha mulher, meus dois cães, algumas músicas no companheiro iPod e muitas obras de Shakespeare, e fugir para algum casebre, à beira de alguma praia sem pernilongos. No entanto, novamente me aborreço ao perceber que somente um milionário, cuja vida não se esvai numa tediosa repartição de um órgão do governo, poderia, neste exato momento, se bem o desejasse, fugir.