sábado, março 10, 2007

Luz e escuro.


Acaba mais outra semana. E não há nada que mereça ser dito.

Escolhas alheias.


"Amar é bom. E não.", nos dizia aquele estranho personagem de Em outubro, flores!, espetáculo que eu escrevi e que David Rock levou aos palcos em 2005, com Juliana Mesquita - hoje em novelas televisivas do horário nobre. Tal frase, dita em momento de relativa tristeza, no fim do último ato, revelava todo o complexo mundo daquele que ama, envolto em tão diversas sensações, que o amor, sentimento nobre e elevado, parecia também um tormento, um pesadelo da qual não se deseja acordar. É o que bem nos dizia o poeta maior a revelar que o "amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente, é dor que desatina sem doer".

Mas a minha profundidade nem era tanta quando me peguei a pensar na frase e naquele texto. Nem pensava na totalidade da vida, nem pensava no sofrimento e suas minúcias. Naquele momento, tão somente, eu dizia da responsabilidade que nos atinge quando amamos e temos de volta o amor entregue. Quem viu ou leu a peça citada, sabe bem do que digo.

Mas ando sentindo agora, neste momento desaforado de minha vida, a tal responsabilidade afetiva - desagradável e impiedosa com um sujeito que ainda se pensa adolescente, mesmo aos trinta anos. Amo e tenho de volta o amor que devoto. E o amor, severo e aflito, exige de mim que eu sempre seja atento, perfeito homem, implacável exemplar masculino... Mas não sou perfeito - sou mais um macaco com certa erudição e milhares de vontades...

Digo... Não é fácil ser o homem de uma mulher como aquela que tenho. Por muitos motivos. Sobretudo porque eu não posso cometer erros graves. Eu não posso me desvirtuar - nem mesmo posso me dar ao luxo de ser estúpido por um tempo qualquer, Não posso ser feio, ou ficar feio por um tempo maior que o suportável. Não posso ser um fracassado que nunca chega a lugar nenhum. O amor me obriga sempre a pensar em como ser um homem melhor...

Mas eu jamais sou. Jamais poderia ser melhor - além destes meus limites. Mesmo que eu abandonasse todos os vícios e luxúrias, abandonasse o violão e me adequasse mais - ainda mais - aos padrões civilizados. No entanto não posso também ser simples. Não posso ser cotidiano, reveladamente igual a todos. Não posso ser isto, nem aquilo. E devo ser tudo... porque ela é como é.

A mais bela imagem do cinema de minha infância sempre será aquele triste Super-Homem, "mudando o curso da história", por causa de sua Lois Lane. Aquilo me impressionou e ainda me impressiona. Mas eu não sou um Super-Homem. Sou, se tanto, um Clark Kent - desajeitado e lento. Ela, a minha Lois Lane, se entristece às vezes comigo. Sobretudo quando se dá conta de que eu jamais serei um Super-Homem. Eu a compreendo - na mais consciente percepção dos meus inúmeros defeitos e limites. Amar é mesmo difícil. É bom quando nos sentimos fortes, mas é péssimo - nos intantes em que nos sentimos fracos, chatos ou desesperançados. Como amar, sem no entanto sofrer por não darmos à criatura amada a nossa mais bem acabada imagem?

Mostro-me a ela. E tudo o que ela vê sou eu. Tão somente isto. E tal qual o próprio amor, o que vê às vezes é bom. Às vezes, não.


***

Finalizando com as escolhas alheias destas duas últimas semanas, Ira! e outra de suas boas canções: Eu quero sempre mais. Agradeço a ela, minha Fernanda - a moça da foto acima, pelas sugestões feitas.

A vida é uma invenção.

A vida é invenção que a gente faz. Nenhuma verdade é essencial. Nenhuma certeza tem ombros e joelhos. A vida é mesmo uma ilusão que a gente simula. Se nos acreditamos infelizes ou se queremos da vida um poço amargo de tristezas, assim a teremos. Se vemos tão somente o frescor, fresco será cada um dos segundos... Vida é invenção. Feito a morte, que se acredita ser de tanto modo, de tanto fim e tanta ultrapassagem. Vida é crença, considerações e desejos. Inventados, supostos, escolhidos. Vida é poesia - se poesia há nos planos revoltos do vivente. E se não houver poesia, ou se a poesia tão somente é uma paração sem muita procedência, então não há poesia nem em um único pedaço de tempo.

Não me lembro ao certo. Talvez Alberto Caeiro, talvez Vinícius de Moraes. Um poeta me ensinou que devemos desejar o mínimo, apenas o que couber em nossa pequena mão. Há algum tempo tal afimação me pareceria estúpida, coisa de quem nasceu sem ambição, um bobo talvez. Mas conforme envelheço, a cada dia duvido mais de tudo o que é certo, de tudo o que é uma maldita certeza, de todos as previsões que antes eu fizera, de todas as escolhas que eu acreditei fazer. Hoje o ceticismo vem me atacar por completo.

É talvez confiar na sorte. Ter alguma nobreza, alguma saúde e algum zelo. O que não é mais possível é aceitar que a vida seja tão somente isso, um oceano de tédio e poucas utopias. É confiar na sorte, no perigo. Ter alguma maldita nobreza - e ter um pouco de sofisticação. O que não é mais possível, antes que seja tarde demais!, é aceitar que a vida é tão somente uma madrugada em que se pensa sobre o nada, com suavidade...

É março. É cedo. Ainda volto à poesia e à vida que se inventa, plena de obscuras vontades. Ainda me verei novamente um adolescente, o qual ainda acredita em ambição. Ainda volto a escrever versos, confiando a cada palavra uma responsabilidade sublime.

sexta-feira, março 09, 2007

Rouge.


Hoje a madrugada é silenciosa. Pela janela vejo a alvorada, o céu que levemente vai se clareando, as luzes que começam a ser desligadas. Há um silêncio que chega a nausear. Fumo um cigarro enfadonho e de repente me vem ao plano irreconhecível da memória as imagens que vi de Henri de Toulouse-Lautrec. Lembro-me de sua obra sempre barulhenta, animada, de madrugadas estonteantes, vermelhas, e penso na madrugada que agora tenho, tão distante de festas, distante dos tais moulins. Que seria desta madrugada se... Como saber? Em 1901 ou em 2007, há madrugadas cujo silêncio chega a devorar. Como haverá também tardes ruidosas, manhãs iluminadas e noites que se vive meio a contragosto, querendo eu mais que o silêncio e a paz que se estendem por tudo. Os filmes que a televisão apresenta, as músicas que penso ouvir, as palavras que tento escrever... tudo vem agregado de silêncio e... O sol começa despontar... Quase seis horas e não me veio o sono. Quando vier, que venha carregado de sonhos pintados por Toulouse, trazendo-me a algazarra e os delírios que esta noite de março, definitivamente, não trouxe.


Mas é bem certo que havia uma tristeza de fim de noite, em qualquer obra de Toulouse. Há um certo ressentimento que também não cabe nesta manhã... Agora o sol já tomou por completo o céu. É dia, afinal. E os espasmos da madrugadas agora não mais me dizem nada. É dia.


Visite este excelente sítio francês e veja o quanto há de festa, o quanto há de pena, o quanto há de cor na obra de um grande artista de imagens sempre tão fulgurantes.

quinta-feira, março 08, 2007

Sugestão que há tempos eu queria fazer.


Caso o leitor esteja a procurar por algum filme, algum divertimento locável, nalguma locadora que tenha alguma qualidade, sugiro que vá aos clássicos e veja The African Queen (Uma aventura na África), de 1951. E é bem certo que eu deveria justificar minha sugestão, com qualquer breve análise ou descrição. Mas não me vejo em condições de fazê-lo agora, uma vez que as férias tornam preguiçoso um homem atento à preguiça. Abaixo, o trailer do filme. Com Humphrey Bogart e Katharine Hepburn e direção de John Huston, não creio que seja preciso muitas palavras.

Escolhas alheias.

Outra nobre escolha, efetuada pela virginiana de sorriso encarnado, Fernanda Ferreira, para esta seção de "escolhas que eu não faço", o que traz a este blog um pouco de novidade e graça. A escolha da vez é presença garantida por aqui, sempre. O mestre canceriano Raul Seixas, um dos mais inventivos compositores da história de nossa música popular. Como eu sempre costumo dizer, gostar da obra de Raul Seixas não é, nem deve ser uma unânimidade. Mas é inegável que, enquanto ele se esforçava para ser diferente, muitos buscaram pela obra comum, concebida em formas e regulamentos. Raul sempre esteve atento ao experimento, à palavra que evoca contundentes questionamentos. Basta ouvi-lo, com a devida atenção.


Acima, a escolha: Maluco beleza.


E, acima, um curioso vídeo de Morning Train.

A diretoria.


Este eu realmente não vi. Nem qualquer reminiscência guardo de White Squall, com Jeff Bridges e John Savage, obra que Ridley Scott lançou em 1996. No Brasil chamou-se Tormenta. E se o filme é exatamente uma tormenta, nem mesmo tenho intuição para uma avaliação assim tão condenatória. Caso o leitor também não se lembre de White Squall, veja o trailer nesta página do New York Times.


De qualquer modo, o filme tem mesmo bastante água. Águas revoltas costumam impressionar.

quarta-feira, março 07, 2007

21


Caetano nos diz em uma bela canção, Pra ninguém: "Melhor do que isso só mesmo o silêncio. Melhor do que o silêncio só João". Há quem não goste da maneira suave de João Gilberto ou não tenha jamais pego o tal "fio da meada". João Gilberto e sua voz são patrimônios maiores, inquestionáveis e representam o que há de mais sofisticado na música brasileira. Caso o leitor esteja um tanto afastado de João Gilberto, faça-se um favor. Busque por João e ouça-o, muito. Ocupando a 21ª colocação entre as cem canções que mais me comoveram nesta vida de silêncios e sons, Você não sabe amar, canção que me tocou profundamente na voz grave (a voz que eu queria ter) de Dorival Caymmi. E é a história de sempre, não tenho hoje paciência para mp3 e conversões e buscas. Mas não sairemos perdendo: melhor que a voz grave de Caymmi - melhor do que o silêncio - somente o velho João Gilberto.



Você não sabe amar

Você não sabe amar meu bem
Não sabe o que é o amor
Nunca sofreu, nunca viveu
E quer saber mais que eu

O nosso amor parou aqui
E foi melhor assim
Eu esperava e você também
Que fosse esse o seu fim

O nosso amor não teve querida
As coisas boas da vida
Foi pra nós
Para você
E bem melhor pra mim

O nosso amor parou aqui
E foi melhor assim
Eu esperava e você também
Que fosse esse o seu fim

(Dorival Caymmi, Carlos Guinle e Hugo Lima)

Escolhas alheias.

Duas boas escolhas alheias, levando-me inclusive à rendição: Alanis Morissette não é uma doidivana, uma cantora que se descartaria de repente, numa análise ríspida daquelas que a gente vive a fazer. Não havia mesmo nunca dado ouvidos, com atenção, a qualquer melodia de Alanis. Não é que reconheci em Everything a melhor música do gênero pop que eu pude conhecer nestes últimos tempos? Ora, cabe a um bom escutador reconhecer que algo pode ser bom, sem que antes tenha se dado conta ou tenha se evadido de algum preconceito ou frívola intuição. Sempre é útil reconhecer que fomos (e somos) de soltar opiniões que muitas vezes depois acabamos por condenar. Assim, Everything, de 2004.


E, abaixo, So pure, de 1999.


E se lhe parecer interessante, nobre leitor, conheça o sítio oficial da cantora canadense.

terça-feira, março 06, 2007

Elementares.


Para imagens de muito boa resolução de Katharine Hepburn - entre tantos outros astros daqueles anos, visite o excelente Dr. Macro's. Há muita coisa bacana que bem pode enfeitar a tela do seu monitor, ou pode bem servir de referência para qualquer boa reflexão.

A atriz elementar.


O século XX foi fecundo em talentos femininos. E tal fato se deve às novas orientações sociais, às conquistas e exigências femininas e feministas - em geral, justas. Entre os diversos talentos, o cinema enfim mostrou que é incabível uma arte cênica ausente de mulheres. Shakespeare é um que sempre teve um marmanjo a interpretar Lady Macbeth e Ofélia. Não que não fosse bom, tudo bem de acordo ao mundo elizabetano. Mas as mulheres não devem jamais largar os palcos - como eram tolos os tais antepassados! Katharine Hepburn, talvez a maior atriz do século XX teria tido a competência de interpretar absolutamente todos as personagens femininas de Shakespeare. Foi bela, foi triste, foi alegre, grave ou frívola. Foi absolutamente completa, tendo feito um bom número de clássicos, dos mais diversos gêneros. Abaixo, três ligeiras cenas de três grande momentos da atriz, cujo centenário de nacimento se dará no próximo dia 12 de maio.


Pra começar, cena hilária de Bringing up baby, com Cary Grant.


Cena breve de The Philadelphia story, também com Cary Grant.


Diversas imagens, em tributo feito na cerimônia do Oscar, em 2004.

Mother Goose.


Clássico cartoon da Disney, de 1938, com caricaturas de várias estrelas do cinema, daquela época. Entre eles, Katherine Hepburn, Os Irmãos Marx, Charles Laughton, Spencer Tracy, Laurel e Hardy, Clark Gable, Fred Astaire e Greta Garbo.

segunda-feira, março 05, 2007

O elo.

Desde sempre, convenhamos, não há mais belo esporte que o tênis. O futebol é mesmo mais empolgante e visceral, o basquete é mais veloz, físico - mas se a idéia é beleza de movimentos, inteligência e superação, nada mais apresenta imagens e sons que o esporte que se pratica com raquetes e bolas amarelas e felpudas. Infelizmente, após o ocaso de Gustavo Kuerten, o esporte voltou a ser esquecido por aqui. Enquanto não surge outro fenômeno, Roger Federer arrasa a todos com um talento pouco discutível. Abaixo, um clássico vídeo de uma clássica partida. Os melhores momentos de uma partida em que Federer enfrenta Pete Sampras, na arena de Wimbledon, em 2001. No mínimo, maravilhoso. Era o elo entre os grandes, com o início de uma nova década.


E abaixo um curioso vídeo em slow motion, mostrando-nos os movimentos que faz Roger Federer durante uma partida.

22


Sergio Endrigo foi um brilhante compositor, italiano. Há quem o considere piégas ou pactuante de um tipo de canção que não leva a nada, uma masturbação romântica e triste. Há quem o veja como um melodista de muitos apelos. Pois há, caro leitor, como há também quem não aprecie a canção italiana popular da segunda metade do século passado. Há, bem sabemos. Eu, cá no meu cantinho abafado, tenho somente a palavra "brilhante" para definir a música romântica cujo estilo nasceu na Itália e veio depois para este Brasil, pelas vozes de Roberto Carlos e Moacyr Franco. Que o gênero se esgotou totalmente, todos nós sabemos. Esgotou-se, em verdade, já no começo dos anos 80, quando era época de Blitz e The Police. Não cabia mais - como não cabe agora - chafurdar-se em romantismos inverossímeis para décadas cujas tristezas são tão explícitas e decorativas. Pelo que nos consta, somente "os bregas convictos" insitiram em prantos tão melódicos.

Mas, além das observações cinicas, há um tipo de melancolia que ainda é a mesma. Eu ouço e componho tanta coisa que caberia mesmo na mesma forma, nos mesmos suaves moldes. E me sei incongruente com este tempo, o qual parece pedir bem mais filosofia e educação.

Ou talvez seja bobagem minha. Os tempos hodiernos nem devem pedir mais nada. O esgotamento é natural depois da abundância. Como vai alguém falar de amor, numa canção, sabendo que Sergio Endrigo já cantou Io che amo solo a te? Como ser frívolo, se a responsabilidade é tanta? Aproveite a ocasião e, reouvindo obra tão bacana, visite um bom sítio oficial.


Io che amo solo a te

C'e gente che avuto mille cose
Tuto il bene tuto il male del mondo
Il ho avuto solo te
E non ti perdero non ti lascero
Per cercare nuove aventure
C'e gente che ama mille cose
E si perde per lastrade del mondo
Io che amo solo te
Io me fermero e ti regalero
Quel che resta della mia gioventu

(Sergio Endrigo)

Escolhas alheias.

Seguindo com as escolhas feitas pela minha sempre irriquieta virginiana esposa, Ana Carolina e a boa canção Uma louca tempestade, num vídeo muito bem produzido.


Creio que todas as esposas do mundo sejam irriquietas: as virginianas, as librianas, as taurinas e todas as demais. Maridos nem sempre são irriquietos. São em sua maioria quietos e estáticos. A canção acima fala bem do que é uma mulher. Há um verso que diz "eu quero sair de manhã, eu quero seguir a estrela, eu quero sentir o vento pela pele - um pensamento me trará...". Ora, eu só quero ver Liverpool versus Barcelona, bebendo meu uísque, fumando dos meus cigarros plenos de fumaça, enquanto tenho pensamentos entrecortados.

Qualquer mulher é mesmo uma louca tempestade, a qual necessita mesmo de espaço e ruas pra escoar. Eu, cá no meu canto, sou apenas uma paragem, pouco vento, nenhuma chuva. Sou um poço de pensamentos que se pensam em completa imobilidade. Assim, eu preciso de minha mulher, para que me faça andar, correr, oxigenar - e ela bem precisa de mim, para às vezes se aquietar, parar e se reter numa idéia - estudando-a. O amor consiste em aceitar movimentos, involuntários ou não, e em se permitir, muitas vezes, a permanência, a mais doce e profunda imobilidade.

domingo, março 04, 2007

Crônica Dominical

O mundo é grande, o mundo é pequeno - num aflitivo paradoxo. Quando pequenos, mesmo um bairro, uma semana, um carro nos parecem enormes. Mais tarde, tudo se apequena, nos sentimos mesmo enormes, fundamentais para o próprio mundo. Nos damos uma importância que, afinal, jamais teremos. Quando estamos num avião, no alto de alguma colina e dela vemos a cidade, ou quando brincamos no Google Earth, parece que nos vem aquela sensação desagradável e encantadora de ver o homem tal qual ele realmente é: pequeno, feito formiga, feito pulga, com seus automóveis pequeninos... O mundo então não é grande quando a gente caminha sozinho pelas calçadas de uma grande avenida? Se o homem já tem inclusive a mania de ser o próprio mundo... O mundo é grande porque o Homem é pequeno, apesar de grande.

Meu mundo cabe em tão pouco espaço. Não me entristece o seu pequeno tamanho. É um mundo bom, feito um soneto de catorze versos. E um soneto pode ser belo, mesmo que a Literatura afinal seja enorme. Melhor assim ser belo, mesmo breve, mesmo que jamais ocupe duas páginas em antologias - ou mesmo que nem venha a ocupar qualquer página de antologias. É belo e isso sempre me bastará.

Há quem não suporte a consciência de um mundo irrisório, desimportante - com são todos os pequenos mundos de bilhões de criaturas existentes. Há quem não suporte e busque pelo poder, pelo dinheiro sujo, pela fama canalha, pela obra fácil, pela arte sem marca e sem complexidade. Quer no imediato ampliar sua existência, torná-la maior para os olhos bobos, incapazes de ver a mais óbvia verdade da história da humanidade: o homem é nada.

Em nossas pequeninas vidas temos tesouros, mundos alheios, também pequenos, que se misturam ao nosso. Temos muito, temos incontáveis e enormes continentes no planeta que cabe dentro de nós. O segredo da paz é viver bem, pisando grande no mundo pequeno e pisando pequeno, bem pequeno, no mundo enorme. Muitos não sabem pisar, querem passos maiores que as pernas. Por isso, talvez, a vida seja esta bosta. Em que poucos correm, outros poucos andam e muitos se arrastam.