Estive ausente deste blog por dois dias, mesmo contra a minha vontade de atualizá-lo com boa freqüência. Mas na quarta-feira, pela manhã, bateu-me uma irreconhecível vontade de voltar a seguir com um romance adormecido. Ano passado, meti-me a escrever os primeiros capítulos de certa história que idealizei há muitos anos. Quando surgiu-me um impasse, coisa comum nesta arte de inventar gente e aventuras, deixei o texto e as suas poucas 25 páginas em total esquecimento. Acidentalmente reecontrei o texto inacabado e me senti um tanto mais engenhoso para continuá-lo. Foram, em dois dias, dez páginas novas - e todo mundo que se mete a escrever sabe que, para dois dias, a média é bem interessante.
Trata-se de um chamamento, um raro chamamento, e eu não poderia ignorá-lo. Um dramaturgo que já se meteu com poesia naqueles tempos de cabeça fresca e muita fúria, que compõe das suas músicas tristes, que se envolve com tantas dispersões e tarefas (tal qual este blog), as quais acabam por me distanciar da composição de novos textos, não poderia nunca renegar um chamamento criativo...
No entanto, pessimista por natureza, sei que o meu envolvimento com o romance, cujo nome é Fenices, pode bem durar pouco, por ora, e eu volte a encará-lo daqui a alguns meses ou anos. Mas enquanto eu estiver inspirado, vendo na obra alguma qualidade, ou enquanto eu não me interromper em impasses complexos de narrativa e descrição, devo seguir adiante.
Cada página escrita, hoje, pode bem ser-me a salvação, amanhã. Um amigo, otimista, disse-me que terminarei o tal romance ainda este ano... Ora, o planejamento me leva a crer em aproximadamente 300 páginas! E mais o tempo de pesquisa e constantes ajustes! Acostumado mesmo aos textos de teatro, 40 ou 50 páginas, muitos diálogos, recortes e poucos personagens, vejo-me diante de uma hercúlea tarefa...
Mas vocês todos sabem, amigos de velhos tempos, ando irritado com o teatro e suas complicações humanas e financeiras. Ando irritado com o tipo de teatro fácil, desverbalizado, que anda nos palcos desta cidade. Ando irritado com os amigos atores/diretores/cenógrafos que tenho - todos envolvidos em projetos distantes, alheios a mim... Resta-me a proposta solitária de escrever um longo romance, dependendo tão somente da minha paciência para que a tal página 300 logo chegue.
Sou dramaturgo, por essência e devoção. Mas quando recebo um chamamento, respeito-o. Assim, é provável que este blog fique meio largado... não muito, naturalmente. Um sujeito inteligente deve se meter em tudo o que lhe pareça agradável, em produzir seja lá o que for. Mesmo que eu escreva um punhado grande de bobagens, por aqui, ainda desta forma estarei exercitando as minhas habilidades. Mesmo que o romance que ando a escrever jamais chegue aos leitores, ainda assim estarei exercitando a cabeça, dando-lhe o que pensar, o que arranjar.
Como sempre acreditei, cabeça vazia é convite à tolice.