quinta-feira, novembro 13, 2008

O senso.


        Vez ou outra vejo um texto meu perdido em blogs alheios - os quais estão sempre acompanhados de meu nome, embora seria justo que houvesse o meu nome e o endereço deste blog. Provavelmente haverá textos meus sem indicação de autoria, numa calhordice natural nestes tempos em que é difícil saber quem é o pirata e quem é o caçador de pirata. Pois assim seja. As palavras voam. 
        O que me tem tirado meio segundo de sono, por estas noites, é justamente esta frivolidade verbal e nada me parece mais justo: escrever para quê, se o tempo é de pensar cuidadosamente? Pois se eu gostaria mesmo de meter a metafísica na conversa. Gostaria mesmo. Falar dos mistérios da memória que parece se lembrar de tanto, falar dos desassossegos. E das galáxias todas, das bacias hidrográficas, do vento e seus manejos, da experiência humana diante de tudo. Gostaria de discutir em público o mistério dos mistérios. E o que é que me vem, então, quando a hora seria de teclar tal um alucinado? O vazio do silêncio destrói toda a resposta - aliás, o silêncio é a não-resposta. Que revelação primordial deveria ser revelada em completo silêncio de olhos, neste mar imenso e irreal que é a internet?
        Pois eu mesmo nem tenho procurado por cantos onde uma discussão efetivamente mais madura esteja ocorrendo. Haverá, afinal? Todas as coisas encontradas me levam a frivolidades, a passatempos, coisas leves de não interferir no pensamento. Será este o caminho para se evitar o já citado silêncio? Embora eu queira um milhão de vozes, não as quero a repetir as bobagens já repetidas. Pois é utopia da minha platéia: gente que se percebe na imensidão do mundo, sendo humana e curiosa. Ah! grande bobagem a minha. Uma bobagem de velhos tempos. Tanto a dizer de espetacular e nenhum olho.
        Chamar a atenção com fogos de artifício? Implorar? Nada. O senso me pede para esperar ainda um pouco mais. Chegará um dia em que o messias de coisas incontadas aprisionado em minha língua não mais se importará com o silêncio e escorrerá na maior verborragia já pensada. 
        Assim eu terei finalmente o rio de coisas a correr, construindo um enorme e edificante cânion que chegará em distância de coração não ver. Tudo o que sei, meu inexistente leitor, é que eu nasci para dizer mais - sou um escritor das aflições - e o direi. Talvez seja uma estúpida sensação, alguma ilusão comum aos da minha estirpe. Talvez, não. Mas o que me dá nas idéias é que tenho um novelo todo, de tamanho fantástico, aguardando a hora certa para ser desenrolado. Um novelo de lã que a garganta guarda, enquanto o planeta segue seu navegar, nos carregando para longe.


quarta-feira, outubro 22, 2008

Novo conceito, ainda velho.

Embora o tédio, este acepipe amargo, esteja farto na mesa em que me alimento (e dou de comer ao cão grosseiro de minha consciência), o tempo que me resta me parece (e bem sei se tratar de ilusão) sempre menor e mais intangível. O Paradoxo do Entendiado seria um nome conveniente para tamanho calabouço: há tempo, há tédio, não há tempo, há desânimo de fazer. Assim vai. E assim mesmo, apesar destas forças gravitacionais gigantescas, retorno a este blog.

Darei-lhe nova roupa, novos rumos - os quais ainda desconheço, e tudo o mais. Continuarei ainda contente neste solitário e improdutivo serviço, nas horas que me restarem. Não haverá mais capas - uma frivolidade da qual não mais me permito. Nem haverá regularidade, nem grandes definições. Em verdade, nada sei que houvesse de contribuir com as mudanças desta inerte página.

Apenas me veio a idéia de voltar.

Um recomeço.

    
    Quiséramos viver entre certezas, sabendo daquilo que é e não é. Quiséramos não desperdiçar o nosso tão exíguo tempo em reflexões vãs, tal qual os que já consideraram a nossa casa o centro de todas as coisas. E é bem certo, além de qualquer complexa opinião, que o ser humano de bons olhos terá de sua vida grande parte dedicada ao pensamento sublime, da origem sua, da Humanidade, das leis, do universo todo. E grande parte ainda será dedicada aos mistérios da morte, o desaparecimento e a consciência. 
    Pudéramos não desejar a resolução de incógnita alguma! Nestas horas, de pensar profundo, dolorido, tantos outros interesses se tornam pálidos, fúteis até. Nestas horas de pensar o impensado, o irresoluto, que caberá pensar então? Caberá algum frescor, alguma bobagem que antes nos parecera justa e, de alguma forma, útil? Não. Este é o perigo. Quando o homem se entrega a matutar sobre os enigmas vários que nos cercam, acaba por ficar um tanto sisudo e irriquieto. Tudo aquilo que não seja natureza acaba por não merecer olhares. As ambições então são outras... Eis a situação da arte - o belo artifício da compreensão: acaba em abandono, relegada a alguns instantes imaturos 
    Quando olhamos para o fundo espaço negro, onde serpenteiam as enormidades, que olhos teremos para o mísero verso? Quando a imaginação percorre o tempo inverso, vai atrás, mil, dez mil, cem mil anos atrás, querendo ver diante de si o caminho dos homens antigos, que sobrará para o sonho de coisas agora mundanas? Cada vez mais é mais difícil se entreter com palhaços, quando se sabe que o circo todo caminha a milhares de quilômetros por segundo, em rumo descabido. 
    Mais difícil é rir, em tamanha perplexidade.

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

Aiana tem gosto de uva, ainda em produção.

    De repente, sem que eu mesmo tivesse planos, resolvo escrever meia dúzia de palavras neste adormecido blog. Quase estou a me justificar, para mim, tão somente, num tipo de monólogo deveras inútil, uma vez que eu sei bem o que direi, o que eu não precisaria certamente escrever - e nisto vai a grande bobagem: pra quê? Ora, ainda estou a escrever meu segundo romance, mais complexo e exigente que o primeiro. Estou dedicado a escrever um grande livro - e a pretensão caminha sempre bem ao lado da vitória. 
    Não foi necessário que uns sujeitos se dedicassem a escrevem o que hoje chamamos de clássico? Não foi preciso que trabalhassem, quietos, dia-e-noite em concentração farta? Eram especiais, eram abençoados pelos espíritos que, segundo alguns, regulam o mundo? Eram geneticamente melhores que eu e mais todos nós neste novo século? Nada. Gente é gente. 
    Pois eu vejo sempre: há lista dos melhores livros do século XX. Não há? Há e é certo que todos estes maravilhosos livros foram escritos por um humanóide, cheio de dúvidas e pavores. Não se educaram, conheceram a si, o resto, tentando decifrar enigmas e criar entretenimento e movimento com as suas palavras? Ora, sempre há a vontade. Sempre há o desejo. Sempre há o que se construir, com trabalho árduo, enquanto outros ficam a pairar no meio dos caminhos. 
  Alguém, todos eles, se abraçou em idéias. Trabalharam e contaram com alguma sorte, com algum emparelhamento mágico. Eu, sem mágica alguma neste país, planto em mim, todo dia, um mesmo rudimentar axioma: se eu não fizer, jamais saberei o que conseguiria. Jamais iria além, tivesse eu a noção errada das coisas.
    Kafka, Thomas Mann, Guimarães, Mário, todos gente, todos humanóides, bem formados, bem estudados, moços de enfrentamento sincero com a vida. Não é assim? O jovem escritor que não se supõe dentro das porcentagens da vitória acaba incapaz de chegar numa segunda página que preste. É preciso insensatez, é preciso certa inocência - e é preciso, antes de todas as teimas, ir além, ir adiante, enfrentando a neblina opaca que não nos permite ver o futuro.
    Eu fecho os meus olhos para o futuro e trabalho, escrevo, rumo adiante. Não é assim que deve ser? Que me importa a lógica, o bom-senso daqueles que me prevém o fracasso, a nódoa, o desperdício e tudo o mais? Que me importa, eu repito? Há, entre o gênio bem sucedido, entre o infértil fracassado, uma grande distância. Uma distância de duzentos mil anos-luz. Mas entre o gênio editado e revisto por gerações de leitores e aquele cuja obra acabou esquecida, ignorada, vive apenas um pequeno percentual que os impulsionou para lados diversos - que ainda é possível de ser revisto, de tempos em tempos.
    Entre o que faz e o que não faz, ou o que faz com desapego, há um elementar abismo. Assim, construo minhas pontes e me aproximo do continente em que vivem aqueles a quem admiro. Escrevo, dedico-me, penso, alimento-me do mundo que se alimenta de mim. E ao final de todas as coisas, estarei perto, muito perto daquele lugar onde desejo morar, depois que a morte me alcançar. Ou estarei perto ou estarei mesmo deitado na cama onde repousam os que merecem algum aplauso. 
    Enquanto isso, alguns, aqueles outros, aqueles que não fazem o que querem, que duvidam que os demais podem fazer, estes estarão longe, muito longe. Talvez numa ilha deserta, talvez arrependidos - porque apenas a labuta nos leva a algum grande lugar. Sempre há começo, há medo e há loucura, afoita.