"Trinta anos esta noite", filme maravilhoso de Louis Malle que devo ter visto por volta de 1996, num cineclube que havia no Ibirapuera (salvo profundo engano da memória). Posso ter visto na lendária Cinemateca, na Vila Clementino. Posso até ter visto num VHS alugado por aí. Mas a memória construída e que me parece nítida e exata é a de ter visto mesmo numa amostra onde também vi "Acossado" e "Os Primos", três filmes franceses que estão no meu top 20 de "filmes de toda a vida".
O filme de Loius Malle, de 1963, sobre um sujeito suicída, é uma obra-prima desagradável e nos oferece um final que é, pra dizer o mínimo, triste. Eu ainda me lembro de ter ficado deprimido com aquilo tudo e o filme imediatamente se tornou um dos meus preferidos, pelo efeito tão forte que me causou.
Originalmente, o filme se chama "Le feu follet", que numa tradução tosca seria "a faísca", "o foguinho". E já dutante o filme eu me perguntava o motivo de se chamar "Trinta anos esta noite". Sim, o título brasileiro é impactante mas evoca uma experiência que não há no filme. Embora não tenha atrapalhado minha experiência, me peguei avaliando a coisa durante a exibição. Havia algo de inadequado no título, é certo. E tanto quanto o filme, o título me marcou.
Há alguns dias, "Oco", uma canção minha que no meu universo particular é um clássico aplaudido, completou exatos 30 anos. Feita no início de dezembro de 1991, numa tentativa de criar uma bossa e que os meus trejeitos de cantor levam para outro canto, é o meu hino para o sujeito que vive eternamente batendo a cara contra a atmosfera (como digo numa outra canção).
Trinta anos é tempo demais, para qualquer análise. É uma vida toda, para um indivíduo ou para uma cidade. São quase onze mil noites ou, na exatidão da poesia, dez mil, novecentas e cinquenta e oito vezes que a lua subiu e desceu na gangorra. Poetas e lobos por tantas vezes sentiram aquele frio na barriga no deslizar do planeta. E eu, que sou poeta e lobo, já velho e de caninos desgastados, mas ainda um lobo que sente a noite chegando a cada vento na tarde, devo dizer o quanto me é difícil medir esse tempo todo, mensurar com a régua da vida.
Eu bem me lembro. A memória, reconstruída ou não, ainda me satisfaz. Faz tempo que compus "Oco". E somente ao cantar tão distante canção é que me sinto novamente naquele título brasileiro para o filme francês. A cada vez que pego o violão, meu cajado mágico, e me ponho a cantá-la, com a voz que me restou, cada uma das milhares de noites como que insistem em chegar, ressurgem em cada verso, em cada palavra da canção. Trinta anos nestes versos. O tempo me esmaga. Quase engasgo no meu uivo.